Título: OAB PEDE APURAÇÃO JURÍDICA EM VEZ DE POLÍTICA
Autor: Isabel Braga
Fonte: O Globo, 09/05/2006, O País, p. 4

Não há como separar o presidente do mar de lama em que patinavam seu ministro mais poderoso e os gestores do PT¿

BRASÍLIA. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) arquivou ontem, por 25 votos a 7, a proposta de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas numa segunda votação, por 17 votos a 15, os conselheiros aprovaram o encaminhamento, à Procuradoria Geral da República, de notícia-crime que pede o aprofundamento das investigações sobre eventual participação do presidente Lula no escândalo do mensalão.

No entendimento da maioria dos conselheiros, há elementos que indicam o envolvimento do presidente em ilícitos penais praticados dentro do escândalo do mensalão. A OAB pedirá o enquadramento de Lula nos crimes de improbidade administrativa e crime comum.

¿ Nós nos afastamos de uma solução política e partimos para uma solução jurídica ¿ disse o presidente da OAB, Roberto Busato.

Por meio de sua assessoria, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, disse que a notícia-crime não altera o trâmite das investigações sobre o mensalão no Ministério Público. A notícia-crime será anexada ao inquérito 2245 que tramita no Supremo Tribunal Federal, o mesmo que permitiu a Antonio Francisco denunciar 40 pessoas, entre elas o ex-ministro José Dirceu e vários parlamentares.

¿Não ouvimos as ruas clamando por impeachment¿

Em seu parecer com o pedido de impeachment, o relator Sérgio Ferraz (OAB/AC) diz que depois da leitura da denúncia do Ministério Público não há como não responsabilizar Lula. O relator diz que Lula quebrou o decoro ao elogiar seu ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, envolvido na violação do sigilo bancário de um caseiro.

¿ Não há como separar o presidente do mar de lama em que patinavam seu ministro mais poderoso e os principais gestores de seu partido ¿ disse Ferraz. ¿ A podridão do Planalto exala um odor mais nauseabundo e mefítico que nos tempos da ¿Casa da Dinda¿.

Das 27 regionais da OAB, sete acompanharam o relator: Acre, Alagoas, Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Tocantins. Apesar da contundência do relator em apontar os elementos jurídicos e técnicos que permitiriam a OAB dar entrada no pedido de impeachment contra Lula, a maioria dos conselheiros entendeu que tal atitude não era oportuna, alegando motivos como proximidade das eleições, falta de mobilização da sociedade pró-impeachment, uso político-eleitoral da medida pela oposição e o fato de que não estaria plenamente configurado o crime de responsabilidade do presidente, previsto no artigo 85 da Constituição Federal.

¿ Não ouvimos a voz das ruas clamando pelo impeachment. Não há nas investigações das CPIs nada que atribua responsabilidade a Lula. Serviria apenas para ridicularizar nossa entidade. Não terá respaldo no Congresso. É inoportuno ¿ reagiu César Bittencourt (OAB-RS).

¿ Seria lamentável que a OAB se prestasse neste momento a servir de joguete das forças políticas ¿ acrescentou o jurista Fábio Konder Comparato, que tem direito a voz na OAB.

Comparato declarou-se contra a notícia-crime, sugerindo que a OAB aprovasse uma moção a favor do aprofundamento das investigações. Foi voto vencido. O ex-presidente da OAB Reginaldo de Castro defendeu a notícia-crime:

¿ Seria uma vergonha para nós acreditar que tudo foi história da carochinha. A Procuradoria fez um belo trabalho e agora o ex-secretário Silvio Pereira entrega novos fatos ao conhecimento da população. Hoje, 40% dos brasileiros apóiam Lula, mas 60% estão acompanhando, silenciosos, os fatos. Temos que mostrar que não somos iludidos pelas falácias dos últimos tempos ¿ disse Castro.

Ao criticar a moção proposta por Comparato, o conselheiro Delosmar Domingos de Mendonça Junior(OAB/PR) afirmou:

¿ Cheira a pizza pedir só que aprofundem as investigações!

O presidente da OAB do Rio, Otávio Gomes, descartou a interpretação de que a decisão de ontem tenha inocentado Lula.

¿ A OAB não deu atestado de inocência ao presidente. Não foi por falta de indícios que o impeachment não foi aprovado, mas por não ser o momento oportuno: estamos a cinco meses das eleições, não há mobilização popular e o pedido seria julgado por um Congresso que absolveu mensaleiros e não goza de credibilidade. Queremos que o procurador aprofunde as investigações. As declarações de Silvio Pereira ratificam a fumaça dos indícios do envolvimento de Lula.