Título: INAUGURADO NA MARÉ O 1º MUSEU EM FAVELA
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 09/05/2006, Rio, p. 22

Moradores mais antigos doam acervo que conta a história do complexo e será aberto à visitação em duas semanas

O alfaiate maranhense Atanásio Amorim, de 75 anos, 51 deles vividos na Baixa do Sapateiro, vestiu ontem um de seus melhores ternos para participar da inauguração do Museu da Maré. A instituição, que conta a história das 16 comunidades que formam o complexo, é o primeiro do país numa favela e será aberto ao público daqui a duas semanas. O museu tem praticamente todo o seu acervo oriundo de doações de moradores. O alfaiate Atanásio, por exemplo, cedeu fotos da inauguração da primeira caixa d¿água da localidade, em 1978:

¿ O governador Faria Lima discursou em frente à minha casa. Sempre tive orgulho de morar aqui. Foi na Maré que construí minha família e tive filhos.

Diretor do Iphan: um exemplo para todo o país

Com 12 salas, o museu conta a história da comunidade ¿ uma das primeiras a ter um projeto de urbanização, durante o regime militar ¿ desde muito antes do seu surgimento, na década de 40. No local havia apenas um pequeno porto. O museu fica num galpão da antiga Companhia Libra de Navegação, sem uso há 25 anos. Uma das salas reproduz uma palafita, tipo de construção sobre o mangue que existiu em grande quantidade na região até a década de 80, decorada com móveis e objetos antigos. Todos eles, assim como fotos, brinquedos e documentos que ilustram outros espaços, foram doados por moradores antigos.

O museu é resultado de parceria do governo federal com a ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Estão sendo investidos R$150 mil, dos quais R$75 mil já foram recebidos pela ONG. A inauguração pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, marcou também o lançamento nacional da 4ª Semana de Museus, de 15 a 21 de maio. Gil destacou a preservação da história da comunidade como uma forma de melhorar a auto-estima dos moradores. E lembrou que a iniciativa do Ponto de Cultura e do projeto Rede Memória da Maré, que deram origem ao museu, partiu dos próprios moradores.

Após o discurso, encerrado com a música ¿Parabolicamará¿, Gil visitou as instalações. Antônio Carlos Pinto, um dos fundadores do Ceasm, nascido no Morro do Timbau, contou que a semente foi plantada em 1989, quando começaram a ser gravadas pela TV Maré histórias contadas pelos moradores mais antigos. O material acabou tornando-se o núcleo do projeto Rede Memória e integrando o Ponto de Cultura.

¿ O acervo estará em constante ampliação, conforme as pessoas forem trazendo mais objetos. É um espaço de interação ¿ disse Antônio Carlos.

Uma das salas, pintada de preto, chamada ¿Espaço do Medo¿, representa os temores dos moradores do passado e da atualidade. Em prateleiras numa parede, há cápsulas deflagradas de diversos calibres, recolhidas nas ruas da Maré.

¿ No início era o medo das mães de que seus filhos caíssem das palafitas no mar, na maré alta, e morressem afogados. Hoje é o medo da violência. Vamos colocar numa parede os nomes dos moradores mortos vítimas da violência ¿ disse Antônio Carlos.

O diretor do Departamento de Museus do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), José Nascimento Júnior, afirmou esperar que o Museu da Maré sirva de exemplo para todo o país:

¿ Esse é o principal exemplo da política nacional de museus: fazer os museus saírem do centro das cidades e chegarem até as comunidades, para que elas possam se apropriar dos seus conceitos.

Nascimento disse acreditar que pessoas de outros bairros e até de outros países irão visitar as instalações na Maré:

¿ Não é preciso ter qualquer receio. A comunidade toda está envolvida.

Localizado na Avenida Guilherme Maxwell 26, o museu funcionará de segunda a sábado, das 9h às 17h. Visitas guiadas poderão ser agendadas pelo telefone 2561-4604.

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