Título: Fatos em destaque
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 09/05/2006, Economia, p. 24

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, chamou Silvio Pereira de traidor. Ele poderia ser chamado assim se tivesse ido ao partido e dito algo diferente do que disse agora. Mas um detalhe estranho desta história é: por que Silvio Pereira, tendo tido o cargo que teve, não foi chamado para contar ao PT o que aconteceu? Ele conta que procurou Berzoini e se ofereceu para falar, mas não foi chamado. As revelações de Silvio Pereira são gravíssimas; mostram o elo de ligação: empresas fraudavam as licitações, o governo fingia que não via e essas mesmas empresas pagavam as contas do partido.

Outro fato: pelo que Silvio Pereira disse, todo o plano de arrecadar R$1 bilhão dependia do Banco Central. Eles queriam ganhar dinheiro com operações de bancos que estavam no Proer: Econômico e Mercantil de Pernambuco e com negociação de dívidas rurais. Também citou o Opportunity. Tudo passava pelo Banco Central. Nada foi aprovado pelo Banco.

O PT acusou o Proer de ser uma forma de ajudar os banqueiros, porém todos os donos dos bancos que sofreram intervenção os perderam. É por isso que Marcos Valério ia ao Banco Central junto com o Banco Rural. O Rural tinha mais de 20% do capital do Banco Mercantil de Pernambuco. O que propuseram é uma correção de ativos e passivos que favorecesse os ex-donos. Bastava trocar os indexadores. Eles receberiam o banco de volta com o dinheiro dentro. O BC respondeu que era impossível pois as regras do Proer tornariam sempre o banco deficitário.

O curioso é que, se o Proer fosse mesmo para favorecer os banqueiros, não haveria banqueiros armando junto com o esquema de corrupção do PT abordagens do Banco Central para facilitar a vida dos ex-donos. Outros ex-donos rondaram o BC. Todas as abordagens falharam; essa barreira foi uma parte da derrota do esquema de R$1 bilhão.

As declarações de Silvio Pereira à repórter Soraya Aggege, do GLOBO, são graves, gravíssimas, e só a complacência moral do partido do governo pode tratá-las com desdém. O que há de novo: Silvio deu várias informações que ou tornam mais concreto o que era apenas ilação, ou permitem que a investigação avance sobre a forma de agir disso que o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, chamou de ¿organização criminosa¿.

Silvio Pereira revela a origem do dinheiro que financiava o PT: um pool de empresas, empenhadas em ganhar contratos no governo, financiava as campanhas do partido. Faziam de conta que não viam e, portanto, validavam as tenebrosas transações das empresas. ¿Empresas. Muitas. Não vou falar nomes. As empresas entre si fraudam as coisas. Às vezes o governo não persegue, e é só isso. Eles se associam em consórcios, combinam como vencer (licitações). O Delúbio começou a usar Marcos Valério para pagar as contas.¿ É a comprovação de uso do dinheiro público para favorecer empresas que contribuíam para o partido. Isso fura a barreira que o presidente Lula tentou criar dizendo que os erros se limitavam ao PT. Mostra também que não adianta procurar a origem do dinheiro num lugar só, na Visanet, por exemplo. Espalhou-se por milhares de licitações feitas pelo governo.

Os analistas que dizem que não há nada novo na entrevista perderam o senso. Uma coisa é o enraivecido presidente do PTB, Roberto Jefferson, com um dos seus indicados flagrado em corrupção, atacar tudo e todos. Outra é alguém que durante 20 anos foi do PT, que chegou ao segundo cargo mais importante do partido, que foi incumbido de distribuir empregos públicos entre aliados, falar que um pool de empresas interessadas em negócios com o governo financiava o partido, que a meta era arrecadar R$1 bilhão, que o próximo passo era o assalto ao BC e que o presidente Lula sempre manteve o poder no PT. Esta entrevista é totalmente diferente da declaração de Delúbio Soares de que houve caixa dois. O que Silvio Pereira fez foi o elo entre negócios públicos fraudados e o pagamento das dívidas do partido.

Silvio Pereira é mais um a falar que tudo começou no PSDB de Minas, na campanha do ex-governador Eduardo Azeredo, que, sendo presidente do partido na época do escândalo, não foi afastado nem para averiguações. Se os tucanos querem se apresentar como alternativa ao PT, não adianta fazerem uma campanha descarnada da questão moral; focada apenas em gestão. O tema permanecerá insepulto no PSDB, porque o partido não o tratou da forma certa na hora exata.

A entrevista revela fatos novos, avança sobre o que já se suspeitava e confirma o que se sabia. Mesmo no que ela apenas confirma, é mais um depoimento consolidando a convicção de que estamos diante do mais amplo e disseminado esquema de corrupção que já foi revelado no Brasil.

E as palavras de Silvio Pereira ficarão pesando sobre a nova direção do PT: ¿Se a direção do PT me chamar para ser ouvido, eu vou. Por que não me chamam? Eu liguei para o Berzoini e disse a ele que gostaria muito de ser ouvido para que minhas informações ajudassem nas investigações internas. Eu nunca fui ouvido pelo PT. Nunca quiseram saber. Mas deveriam. Ou talvez saibam.¿