Título: MENSAGEM INÉDITA, MAS EM VÃO
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Fonte: O Globo, 09/05/2006, O Mundo, p. 29

Irã envia carta a Bush para reduzir tensão, mas Casa Branca reage com ceticismo

TEERÃ

Num gesto inédito desde que Washington e Teerã romperam suas relações diplomáticas em 1979, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, enviou ontem uma carta ao presidente dos EUA, George W. Bush, e anunciou que na mensagem, de 18 páginas, sugere maneiras de reduzir a tensão causada pelo programa nuclear iraniano. A carta chegou à Casa Branca pouco antes de ministros do Exterior das cinco potências que formam o Conselho de Segurança da ONU se reunirem em Nova York para discutirem uma reação à recusa de Teerã a desistir do programa nuclear. Mas a Casa Branca reagiu com ceticismo:

¿ Há inúmeras preocupações da comunidade internacional com o regime e a carta parece nada fazer para abordar essas preocupações ¿ disse o porta-voz Scott McClellan.

O porta-voz afirmou que Bush foi informado sobre o conteúdo da mensagem, mas não esclareceu se chegou a lê-la. Já o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, fez pouco caso da carta, que disse ter lido:

¿ É típico do Irã fazer isso quando grandes decisões estão para ser tomadas. Eles têm tentado jogar areia nos olhos dos que propõem a ação (em retaliação a seu programa nuclear). Pode ser isso ¿ afirmou.

Uma tentativa de influenciar países

Enviada por meio da Embaixada da Suíça, que representa os interesses americanos no Irã, a carta foi considerada a primeira comunicação direta entre presidentes do Irã e dos EUA desde que a embaixada americana foi invadida por estudantes iranianos, em novembro de 1979, levando a uma crise que terminou pondo fim às relações entre os dois países. Seu conteúdo não foi revelado, porém, com clareza por autoridades de nenhum dos dois países.

O porta-voz do governo iraniano, Gholamhossein Elham, disse que Ahmadinejad escreveu para Bush em busca de ¿novas maneiras de sair da atual situação delicada do mundo¿. Afirmou que a carta se refere à disputa nuclear, mas não esclareceu se propõe um diálogo direto com os EUA.

¿ Em sua carta, Ahmadinejad falou da atual situação tensa no mundo e sugeriu maneiras de resolver problemas e reduzir tensões ¿ disse o porta-voz, acrescentando que o presidente enviou outras cartas a líderes de ¿certos países¿.

Analistas consideraram pequenas as chances de o Irã admitir na mensagem que atenderia às exigências da comunidade internacional.

A carta foi enviada no momento em que os EUA buscam um consenso entre as potências do mundo para retaliar a decisão do Irã ¿ anunciada no mês passado ¿ de enriquecer urânio, o que levantou suspeitas de que o país tenta fabricar bombas. Com esse objetivo, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, iria reunir-se ontem à noite com seus colegas de países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU ¿ França, Reino Unido, China e Rússia ¿ e ainda da Alemanha. Isto levou o chefe da inteligência americana, John Negroponte, a especular que o objetivo da carta seria influenciar as autoridades.

¿ Certamente, uma das hipóteses a ser examinada é se, e de que maneira, a hora do envio dessa carta está conectada a um tentativa de influenciar de alguma maneira o debate diante do Conselho de Segurança ¿ disse ele.

Os EUA defendem uma dura reação à recusa do Irã a interromper o enriquecimento de urânio ¿ provavelmente sanções ¿ e não descartam uma ação militar. Rússia e China se recusam, porém, a aprovar medidas rígidas contra o Irã, parceiro comercial de ambas, e, como membros permanentes do Conselho, podem vetar qualquer decisão. Ontem, o embaixador da China na ONU opôs-se a resoluções contra o Irã que invoquem o Capítulo 7 da Carta da organização ¿ que torna obrigatório o cumprimento de decisões ¿ ou mesmo a uma guerra. Semana passada, Reino Unido e França apresentaram uma proposta de resolução com base no capítulo.

Já o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, parceiro de Bush na guerra no Iraque, descartou ontem uma invasão do Irã e considerou ¿absolutamente absurda¿ a possibilidade de um ataque nuclear ao país, já admitida pelo presidente americano.