Título: Um terço da Câmara sob suspeita
Autor: Anselmo Carvalho e Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 10/05/2006, O País, p. 3

Funcionária da Saúde entrega à PF lista de 170 parlamentares envolvidos no esquema de fraude

Em depoimento ontem à Polícia Federal e ao Ministério Público, Maria da Penha Lino, assessora especial do Ministério da Saúde, acusou 170 parlamentares de envolvimento com a máfia investigada por fraude em emendas ao Orçamento da União e venda superfaturada de ambulâncias para prefeituras. Maria da Penha, que foi presa semana passada na Operação Sanguessuga, da PF, e depôs em troca do benefício da delação premiada, disse que os parlamentares recebiam propinas de 10% a 20% do valor de cada emenda apresentada. Segundo a assessora, o dinheiro do suborno era levado para a Câmara dos Deputados em meias, cuecas, paletós, livros e malas de couro.

¿ O dinheiro saía do banco com determinado motorista, com determinada pessoa, e um dos donos da Planam (empresa acusada de comandar a máfia). Era dividido no blazer, nas meias, nas cuecas, escondido em malas, em livros e assim passava pelo detector de metais (da Câmara) e era entregue diretamente aos deputados ¿ contou o advogado Eduardo Mahon, depois de acompanhar o depoimento de Maria da Penha ao delegado Tardelli Boaventura e ao procurador da República Mário Lúcio Avelar.

No depoimento, a assessora citou o nome de 169 deputados e um senador que teriam atendido aos interesses da organização desmantelada durante a Operação Sanguessuga. Penha recebeu da PF uma lista com os nomes de todos os deputados e senadores, e foi denunciando um por um. Entre os acusados estão os deputados João Grandão (PT-MS), Feu Rosa (PP-ES), Kátia Abreu (PFL-TO), Enio Tatico (PTB-GO), Coriolano Sales (PFL-BA), Jovair Arantes (PTB-GO), Carlos Dunga (PTB-PB), Inaldo Leitão (PL-PB), Ann Pontes (PMDB-PA), Almerinda de Carvalho (PMDB-RJ), Gilberto Nascimento (PMDB-SP) e Jefferson Campos (PTB-SP), além do senador Ney Suassuna (PMDB-RN).

Ela também confirmou alguns nomes que já tinham sido divulgados na semana passada pela PF, logo depois da Operação Sanguessuga, entre eles o de Edna Macedo, irmã do pastor Edir Macedo, chefe da Igreja Universal do Reino de Deus.

Funcionária foi infiltrada na Saúde

Maria da Penha negociou um acordo com a Justiça de delação premiada e vai auxiliar nas investigações. Segundo ela, a empresa Planam, dos empresários Darci José Vedoin e Luiz Antônio Vedoin, possuía uma carteira com o nome dos 170 parlamentares que participavam do esquema e aos quais pagava propinas para que apresentassem emendas contemplando a compra de ambulâncias, cujas licitações eram fraudadas.

A PF diz que ela foi infiltrada no Ministério da Saúde pelo empresário Vedoin, com a missão de facilitar a liberação dos recursos dentro do Poder Executivo. Antes de atuar no Ministério da Saúde, ela foi funcionária da Planam por quase dois anos.

Maria da Penha revelou detalhes de como se dava o pagamento de propina. Segundo ela, os proprietários da empresa sacavam pessoalmente o dinheiro em uma agência bancária no Setor Comercial Sul de Brasília e o levavam num carro até a garagem do Congresso Nacional. Ainda dentro do carro, eles colocavam o dinheiro nos bolsos do paletó, nas meias e até na cueca. Passavam pela chapelaria da Câmara, pelo detector de metais e iam para os gabinetes dos parlamentares.

¿ Depois, saíam distribuindo o dinheiro aos deputados ¿ disse o advogado Eduardo Mahon.

Para listar o nome dos deputados envolvidos, o advogado de Maria da Penha pediu que fosse impressa, do site da Câmara, a relação com os nomes de todos os deputados federais. Com uma caneta marca-texto, coloriu cada um dos que supostamente participam do esquema da Planam. Em relação à participação de senadores, limitou-se a dizer que o Senado era ¿impermeável¿ ao esquema.

Maria da Penha revelou que os deputados vendiam emendas parlamentares em troca do pagamento de propina. Só então as prefeituras eram procuradas. Afirmou ainda que a fraude não estava no superfaturamento dos veículos, e sim no direcionamento do processo licitatório, que era invariavelmente vencido por uma empresa ligada à Planam.

Segundo a funcionária, ciente de que era alvo de uma investigação e temendo um mandado de busca e apreensão, a Planam retirou todos os documentos importantes de seu escritório em Brasília e os enviou a um endereço na mesma cidade, segundo lhe revelaram seus antigos colegas na empresa. No depoimento de ontem, ela revelou o local em que a PF poderá encontrar um livro-caixa com todas as informações sobre a relação da Planam com parlamentares.

O advogado da servidora disse que sua cliente não tem envolvimento nos crimes. Segundo ele, Maria da Penha deixou a Planam em março de 2005 por discordar das práticas na venda de ambulâncias. Apesar de se dizer inocente, Maria da Penha foi grampeada pela Justiça Federal conversando sobre depósitos em sua conta corrente a serem efetuados pela Planam, quando já atuava no Ministério da Saúde. Na gravação de um diálogo autorizada pela Justiça Federal, ela conversa com o empresário José Darci Vedoin, que lhe comunica a intenção de depositar R$3 mil em sua conta. A quebra do sigilo bancário da sogra de Maria da Penha registrou um depósito no mesmo valor neste dia.

O advogado diz, no entanto, que a rescisão trabalhista na Planam foi litigiosa. Após pedir demissão, ela entrou na Justiça do Trabalho e conseguiu uma indenização de R$36 mil, que não foi paga de imediato.

¿ Depois que ela entrou no Ministério da Saúde, a Planam resolveu que iria pagar tudo. Eles (proprietários da empresa) acharam que esta seria uma forma de obter benefícios futuros ¿ garantiu o advogado. Mahon afirma que a Planam vendia a prefeituras a idéia de que tinha uma ex-funcionária sua infiltrada no Ministério da Saúde.

* Especial para O GLOBO

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