Título: GESTANTES ENFRENTAM VIA-CRÚCIS PARA DAR À LUZ
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 10/05/2006, Rio, p. 25

Fechamento de maternidade em Jacarepaguá obriga mulheres a fazerem peregrinação em busca de vagas

A doméstica Rosângela Leôncio da Conceição, de 25 anos, começou a sentir contrações na madrugada de 10 de abril. Moradora de Jacarepaguá, ela poderia ter ido a pé para a Maternidade Leila Diniz, se a unidade não estivesse fechada desde abril do ano passado. Sem dinheiro para o táxi nem atendimento perto de casa, a solução foi enfrentar, com dor, duas horas de viagens de ônibus até as maternidades Carmela Dutra, no Lins, onde não tinha vaga, e Alexander Fleming, em Marechal Hermes, para dar à luz.

O drama vivido por Rosângela é comum a todas as gestantes que dependem de atendimento público em Jacarepaguá, no Recreio e na Barra, onde vivem 700 mil pessoas. A Leila Diniz, interditada pela Vigilância Sanitária estadual depois que suas instalações foram inundadas por esgoto, era a única da região e respondia por quase metade dos nascimentos ocorridos em unidades públicas na área.

Um estudo do deputado Paulo Pinheiro (PPS), presidente da Comissão de Saúde da Alerj, constatou que a interdição provocou transtornos para as gestantes, aumentou os riscos em parto e sobrecarregou outras unidades. O documento, entregue semana passada ao Ministério Público, ressalta ainda que a prefeitura não cumpriu a promessa de inaugurar em janeiro a Maternidade Mariana Crioula, ao lado do Hospital Lourenço Jorge, que assumiria a demanda da Leila Diniz, nem retomou as obras de uma maternidade nos fundos do Hospital Raphael de Paula e Souza, em Curicica, paradas desde 2002.

¿ A morte da Maternidade Leila Diniz era anunciada, visto que ela foi interditada três vezes em 2004. E, ainda assim, passado um ano da interdição definitiva, nada ou muito pouco foi feito pela prefeitura. As mulheres da região continuam desassistidas ¿ diz o deputado.

Transferência não segue o previsto pela prefeitura

O estudo de Pinheiro, com base em dados da própria Secretaria de Saúde, mostra o destino das moradoras da região que ficaram carentes de atendimento. Segundo ele, a transferência da demanda para outras unidades não seguiu totalmente o previsto pelo órgão:

¿ Quando a Leila Diniz foi definitivamente interditada, seus mais de 150 funcionários foram deslocados para as maternidades Carmela Dutra, em sua maioria, e Herculano Pinheiro (Madureira). Quase todas as pacientes também passaram a ser orientadas a ir para esses locais no momento do parto. Mas boa parte procurou, por exemplo, o Miguel Couto, que, apesar de ser mais distante, tem acesso mais fácil por ônibus e vans. Isso agravou a superlotação do hospital.

¿ Estamos falando de mulheres pobres. A prefeitura, com sua inércia, conseguiu criar mais um fator de risco para a gravidez ¿ diz Pinheiro.

O médico Luis Fernando Moraes, membro da Câmara Técnica de Ginecologia e do Grupo Especial de Trabalho Materno-Infantil do Cremerj, concorda:

¿ A qualidade do parto pode ficar comprometida devido à peregrinação em busca de vaga e pelo atendimento em maternidades superlotadas. No caso de uma paciente hipertensa, o atraso de uma hora no parto pode causar a perda do bebê.

Prioridade da secretaria é conclusão de outra unidade

Da janela de casa, a cabeleireira Maria Isabel Silva Ferreira de Carvalho, de 39 anos, observa o mato crescer no terreno da Leila Diniz. Sua filha, Edilaine de Carvalho Lopes, de 22 anos, teve que ir há 20 dias para o Hospital Santa Teresinha, na Tijuca, para dar à luz Ana Beatriz. Ela ainda não voltou para casa: está morando na Estrada dos Bandeirantes, na casa de parentes que têm carro e podem levá-la para fazer os exames de resguardo.

¿ A Leila Diniz já foi muito útil para a região e tenho a esperança ainda de que um dia ela vai voltar a ser o que era ¿ diz Maria Isabel.

Segundo a Secretaria de Saúde, a maternidade não tem como reabrir nas atuais condições. Os alagamentos tornaram-se freqüentes, principalmente depois que uma comunidade, a Parque Dois Irmãos, cresceu ao lado. Para minimizar os efeitos do fechamento, ficam de prontidão no Hospital Raphael de Paula e Souza médicos e uma ambulância para atuar em qualquer situação de emergência. O hospital, no entanto, informa em cartazes que não tem emergência.

A prioridade da secretaria é a conclusão da Maternidade Mariana Crioula, orçada em R$11 milhões. Na semana passada, foram liberados R$4,2 milhões para o término das obras, previsto para o fim do ano. A unidade terá capacidade para seis mil partos por ano, absorvendo, de acordo com o órgão, a demanda da região. Já o projeto da Nova Maternidade Leila Diniz, no terreno do Hospital Raphael de Paula e Souza, só será retomado após a conclusão da Mariana Crioula.

A Maternidade Leila Diniz foi inaugurada em 1987 pelo governo federal com a proposta de humanizar os partos. Entre as novidades que oferecia estavam as reuniões de gestantes, a presença permitida dos pais ao lado das mães e de um quarto com banheira para partos debaixo d¿água. No governo Collor, passou a ter administração conjunta (federal e municipal). Os problemas começaram em 1999, no primeiro alagamento por esgoto. Em maio de 2004, três recém-nascidos morreram e cinco foram contaminados. Novo alagamento aconteceu em abril de 2005, causando a morte de um bebê e contaminação em outros três.