Título: É REAL O PERIGO DE CONFLITO ARMADO¿
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 10/05/2006, O Mundo, p. 34

Para sociólogo, divisão do poder poderia evitar uma guerra civil nos territórios

BERLIM. ¿Os palestinos despertaram eles mesmos o fantasma que agora estão enfrentando¿, disse o sociólogo Suleymann Abu Dayyeh, de 48 anos, da Universidade de Belém, na Cisjordânia, ao comentar a crise atual. Em entrevista ao GLOBO, Abu Dayyeh afirmou que vê o perigo de uma guerra civil, que ainda pode ser evitada se houver uma divisão harmoniosa de poderes entre o Fatah do presidente Mahmoud Abbas e o Hamas do primeiro-ministro Ismail Haniyeh.

Como o senhor vê a situação explosiva dos confrontos entre o Fatah e o Hamas?

SULEYMAN ABU DAYYEH: A situação é realmente muito explosiva e não sabemos como será o seu desfecho porque há a ameaça à paz entre o povo palestino. Mas até agora não encontramos um instrumento para harmonizar as diversas posições, as áreas de competência dos partidos do presidente e do primeiro-ministro. O perigo de um conflito armado interno na Palestina é infelizmente real.

Há um clima de decepção na população, que elegeu o Hamas e agora vive pior com o conflito interno?

ABU DAYYEH: Os palestinos despertaram eles mesmos o fantasma que agora estão enfrentando, mas, por outro lado, a população não vê o Hamas como o único culpado. Os eleitores do Hamas têm a impressão de que o partido ainda não pôde começar a governar porque é pressionado por Israel e pelo Ocidente. O governo está de mãos atadas com o boicote e não pode começar o seu trabalho porque não tem meios nem possibilidade de dinamizar a economia. Mas há uma certa perplexidade com o Hamas.

Falta ao Hamas maturidade política para governar?

ABU DAYYEH: Certamente. Além disso, a conquista do poder subiu à cabeça de muitos líderes do Hamas. Por isso, eles nem sempre decidem com sabedoria. A população ainda tem simpatia pelo Hamas, mas o caminho para uma mudança de preferência política é muito curto. A tendência pode mudar a qualquer momento.

É verdade que o Fatah não aceitou ainda a perda do poder?

ABU DAYYEH: Este é um aspecto importante. O Fatah aceitou formalmente, mas ainda não superou interiormente tal perda. O principal motivo é que o aparato de funcionários públicos ainda é orientado pelo Fatah e busca constantemente meios de bloquear as decisões do novo governo.

O presidente Abbas teria condições de acabar com o conflito?

ABU DAYYEH: Só se o Hamas se mostrar disposto a dividir o poder com o presidente. A situação atual não vai durar muito. Em um período de seis meses, o governo vai se ver forçado a renunciar e deverá ser formado um novo de tecnocratas que seja aceito pelos dois grandes partidos.

O que significa a crise atual para as negociações com Israel?

ABU DAYYEH: A crise é um prato para Israel porque agora os israelenses podem dizer que se os palestinos não estão em condição de controlar e organizar a sua sociedade e o seu Estado, Israel não precisa fazer concessões. Para o governo de Israel, a situação atual é propícia a uma demarcação unilateral das fronteiras sem levar em conta os interesses palestinos.

Quem manda hoje no Hamas, o pessoal que está no governo ou os líderes que vivem em Damasco?

ABU DAYYEH: Há uma luta de poder. Os líderes que vivem no estrangeiro, como Khaled Meshaal, procuram influenciar as decisões. A tendência é a formação de duas alas: uma mais pragmática, e a outra, com muita influência de Síria e Irã, que procura fazer política do Oriente Médio de acordo com esses países, de uma forma fundamentalista, mas não no sentido religioso, e sim no sentido de uma posição antiamericana e antiocidental.

Como está o abastecimento da população desde a posse do Hamas?

ABU DAYYEH: Aqui em Belém está pior, mas não chegamos a passar fome. Eu diria que falta tudo que é de luxo. Israel fechou as vias de comércio com o exterior. Na Faixa de Gaza, faltam até alimentos. É como um integrante do governo de Israel disse ironicamente: ¿Nós não vamos deixar os palestinos morrerem de fome, apenas passar por uma dieta.¿