Título: SEM ACORDO, UE BUSCA NOVA SOLUÇÃO PARA IRÃ
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Fonte: O Globo, 10/05/2006, O Mundo, p. 35

Europeus proporão pacote com incentivos e penalidades para Teerã. EUA ignoram carta de Ahmadinejad

NOVA YORK. Terminou sem acordo a reunião entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha, com o objetivo de discutir uma resolução para forçar o Irã a interromper seu programa nuclear. Diante da resistência de China e Rússia, foi resolvido que diplomatas europeus tentarão fazer um pacote de propostas a ser enviado diretamente ao Irã, com incentivos para o país voltar a negociar e alertas sobre penalidades caso se negue a respeitar a vontade da comunidade internacional.

EUA, França, Reino Unido e Alemanha tentaram por dois dias convencer os enviados russos e chineses a aceitar uma resolução que usasse o capítulo 7 da Carta da ONU, que tornaria obrigatório o cumprimento do texto, e permitiria à comunidade internacional iniciar sanções e até mesmo ações militares.

Moscou e Pequim, que têm poder de veto no Conselho de Segurança, disseram temer que uma resolução excessivamente dura torne seu cumprimento pelo Irã impossível, desencadeando uma crise mundial de petróleo. A saída foi tentar uma nova fórmula: em vez de buscar uma resolução no conselho, Reino Unido, França e Alemanha vão fazer diretamente ao Irã uma proposta, a ser aprovada pela União Européia em Bruxelas.

¿ O Irã poderá ser compensado com um pacote ambicioso, nos campos da energia nuclear civil, do comércio, da tecnologia e, por que não dizer, da segurança ¿ disse o ministro das Relações Exteriores da França, Philippe Douste-Blazy.

Carta de 18 páginas não menciona a questão nuclear

Embora sejam oferecidos incentivos, fontes diplomáticas disseram que haverá também a possibilidade de retaliações bilaterais. Segundo um diplomata europeu, que pediu para não ter o nome revelado, o governo dos EUA continua a acreditar que Teerã só mudará sua linha de ação com medidas coercitivas e ¿permanece muito cético sobre a proposta de incentivos.¿

O fracasso nas negociações ocorreu no dia em que foi divulgada a carta de 18 páginas que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, enviara ao presidente dos EUA, George W. Bush. Considerada a primeira mensagem entre os chefes de Estado dos dois países desde a Revolução Islâmica de 1979, a carta não menciona diretamente a questão nuclear, mas dá uma série de lições morais e religiosas a Bush. Ontem, em Teerã, Ahmadinejad disse que a carta continha ¿sugestões para resolver os muitos problemas que a Humanidade enfrenta¿.

Presidente iraniano cita 19 vezes a palavra `Deus¿

A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, descartou que a mensagem pudesse ter qualquer significado para a busca da solução da crise nuclear no Irã:

¿ Esta carta não se refere de maneira concreta aos problemas que enfrentamos.

Na mensagem, Ahmadinejad afirma que a democracia ocidental fracassou e que ações do governo americano não se coadunam com as crenças cristãs que o presidente dos EUA tem.

O teor da carta varia entre uma excessiva delicadeza ¿ na tradução em inglês (a versão em farsi não foi divulgada) Bush é chamado de ¿Sua Excelência¿ ¿ e acusações à política externa dos EUA.

¿É claro que Saddam (Hussein) era um ditador assassino. Mas a guerra não foi travada para derrubá-lo, o objetivo anunciado era encontrar e destruir armas de destruição em massa¿, escreveu Ahmadinejad. Ele disse ainda que cem mil pessoas teriam morrido no Iraque, o que não seria digno de Jesus Cristo.

Ahmadinejad aproveita a carta para mais uma vez duvidar da existência do Holocausto. Depois, ataca o sionismo, escrevendo que, ¿supondo que estes eventos ocorreram¿, isso não daria a Israel o direito de ter tomado o território palestino.

O iraniano usa 19 vezes a palavra ¿Deus¿ ou ¿Todo-poderoso¿ e dez vezes a palavra ¿Jesus¿ ou ¿Cristo¿. Ele convida Bush a seguir os ¿passos de Jesus, que a paz esteja com ele¿:

¿Você não aceitará este convite? Ele é: um retorno genuíno aos ensinamentos dos profetas, ao monoteísmo e à justiça, para preservar a dignidade humana e a obediência ao Todo-Poderoso e Seus profetas.