Título: UM PAÍS ACOSSADO PELO CRIME
Autor: Monte Reel
Fonte: O Globo, 11/05/2006, O Mundo, p. 39

Dados da ONU indicam que Venezuela é a campeã mundial de violência a mão armada

Omachucado no rosto de Dorian Ricardo estava roxo, marcando o ponto exato em que o cabo do revólver o atingiu antes que o ladrão lhe tomasse o kit de trabalho de eletricista avaliado em US$100. Agora ele pensa em vingança. Do lado de fora do instituto médico legal local, onde foi registrar queixa, Ricardo disse ter pouca fé no sistema venezuelano de justiça. Mas por cerca de US$50, disse, pode contratar alguém para matar o homem.

¿ Se você não é rico aqui, a polícia nem se importa de pegar o seu caso ¿ recriminou um humilhado Ricardo, de 41 anos, que descreveu o atacante como um ¿bandido das redondezas¿. ¿ É por isso que tanta gente toma a justiça nas próprias mãos. Você tem de fazer algo para proteger a sua família. Eu tenho de fazer algo porque vejo o homem que fez isso todos os dias.

É este tipo de ciclo que faz da Venezuela uma forte candidata ao duvidoso título de campeã mundial do crime violento. Segundo a ONU, as taxas de violência a mão armada aqui são mais altas do que em qualquer lugar no planeta. O mau cheiro que invade a delegacia ¿ um prédio onde também funciona o necrotério ¿ é o subproduto de uma taxa de homicídios que nos últimos anos eclipsou a da Colômbia, país dividido por 40 anos de guerra civil. Balas voam com tal freqüência em Caracas que até o rabecão tem um buraco na porta do motorista.

Oposição quer usar tema nas eleições

A frustração entre os venezuelanos se tornou recentemente um tema político que originou protestos de rua exigindo que o governo do presidente Hugo Chávez faça algo para conter a violência. A oposição está tentando fazer do crime um tema central da campanha das eleições presidenciais de dezembro, exigindo ação do presidente, acusado de negligenciar o assunto desde que chegou ao poder em 1999.

Muitos dos opositores têm sugerido que Chávez dividiu a sociedade venezuelana com suas críticas freqüentes à classe alta do país, retórica que segundo eles incita as classes mais baixas à violência contra os ricos. Também argumentam que os crimes contra os pobres têm sido pouco combatidos pela força policial, amplamente vista como corrupta. A Venezuela, com 26 milhões de pessoas, registra um recorde de quase dez mil homicídios por ano desde que Chávez chegou ao poder. A taxa de homicídios ¿ 37 por cem mil ¿ mais do que dobrou em relação à dos anos 1990.

Embora o número de homicídios registrados tenha chegado ao topo em 2003, com 11.900 crimes desse tipo, o clamor público atingiu seu ápice nas últimas semanas após alguns casos de grande visibilidade. Três irmãos adolescentes canadenses-venezuelanos foram achados mortos junto com seu motorista após terem sido seqüestrados por homens armados vestidos em uniformes policiais em Caracas, e um conhecido empresário nascido na Itália foi morto após ser levado numa falsa blitz numa estrada perto da capital. Entre os suspeitos presos por este crime estavam um policial e um ex-policial. O possível envolvimento deles ressalta o sentimento de muitos venezuelanos em relação à polícia: que ela é parte do problema, não da solução.

O governo respondeu às recentes reclamações prometendo reformas na polícia e um programa para desarmar a população comprando suas armas. Mas tais medidas têm poucas chances de afastar os temores dos que acreditam que a solução dos problemas da violência crescente exige mudanças estruturais mais profundas.

¿ A resposta característica do governo, historicamente, tem sido a evasão, seguida da lei da menor resistência e de uma completa falta de prestação de contas ¿ disse Rafael Rivero Muñoz, fundador de uma das unidades de elite da polícia do país e agora consultor privado. ¿ Não há vontade política para mudar porque o crime causa medo, e isso ajuda o governo a controlar as pessoas. Nem o governo nem a oposição querem destruir a maquinaria que os ajudará no futuro.