Título: FREI BETTO: `A GREVE DE FOME DELE É POR PODER¿
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 12/05/2006, O País, p. 5

Franciscano que ficou 36 dias sem comer no regime militar critica movimento de Garotinho

SÃO PAULO e RIO. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, fala com a autoridade de quem já fez duas greves de fome na década de 70 para protestar contra sua detenção em presídios comuns, já que era um preso político que lutava contra o regime militar. Greve de fome tem de ser feita por uma causa justa e não como a do ex-governador Anthony Garotinho, que Frei Betto chama de ridícula:

¿ A greve de fome de Garotinho é só pela vaidade. É fome por poder. Não tem sentido essa greve porque ele quer espaço no GLOBO e na ¿Veja¿ para dar sua versão quando o GLOBO já lhe deu esse espaço. O que ele não consegue mesmo é explicar as irregularidades que comete. Uma greve só se justifica quando a causa é nobre. Gandhi fez greve de fome em sua luta pela libertação da Índia. O presidente Lula fez uma greve de fome de quatro dias em 1980 quando estava preso na PF por liderar greve justa de metalúrgicos no ABC. Eu fiz duas greves de fome. Uma de seis dias em 1970, quando estava preso no Presídio Tiradentes em São Paulo, e outra de 36 dias em 1972, quando me levaram para o presídio de Presidente Wenceslau. Eu protestava porque me davam tratamento de preso comum, de bandido, quando eu era preso político, que lutava contra a ditadura.

O escritor franciscano acha que, como Garotinho tinha muitas gorduras para queimar, ele poderia resistir vários dias ainda:

¿ Na greve de fome de 36 dias que fiz, tomei só água até o 12º dia. Depois passei ao soro. Até o 5º dia, a greve de fome é suportável, pois o organismo tem reservas, que vão sendo queimadas. Garotinho tinha muitas porque era bem gordinho. A partir do sexto dia, começa a haver uma luta do organismo contra a mente. O organismo quer que você coma. Tem gente que agüenta até 15 dias sem beber e sem comer nada, mas isso é muito raro. Sem comer e beber durante dez dias ninguém agüenta. Sem soro morre, a não ser que a pessoa tenha comido algo escondido nesse tempo todo ¿ diz.

Ele lembrou o caso do padre polonês Maximiliano Kolbe, preso pelos nazistas no campo de concentração de Auschwitz e que morreu de fome em 1941.

¿ Padre Kolbe pediu para ser preso no lugar de um operário polonês e ficou 15 dias na solitária sem comer e sem beber. Como ele resistia, os nazistas lhe aplicaram uma injeção letal para matá-lo, mas esse foi um caso raríssimo na História recente da humanidade. Depois do 12º dia não se resiste mesmo sem comer ou tomar o soro. Com o soro, dá para sobreviver até 60 dias, mas a pessoa passa a ter problemas nas articulações ¿ disse Frei Betto.

Ele citou o caso de nove guerrilheiros do IRA que fizeram uma greve de fome de março a agosto de 1981. Todos morreram, sendo que o último deles em agosto daquele ano.

Fotógrafo recorda protesto em presídio no Rio

Também preso político na ditadura militar, o fotógrafo Paulo Jabur e outros companheiros ficaram 33 dias em greve de fome no presídio Frei Caneca, em 1979. O objetivo era pressionar o Congresso na votação do projeto da Anistia. Segundo Jabur, o início do jejum foi calculado para que acabasse após a votação, cerca de 30 dias depois.

¿ Tínhamos experiência em greves de fome no presídio e sabíamos que poderíamos agüentar 30 dias ou pouco mais. Combinamos que até os 20 primeiros dias não aceitaríamos atendimento médico, mas a partir daí se alguém precisasse poderia tomar soro. Eu não tomei o soro, mas alguns tomaram. Nosso objetivo era prolongar a greve até a votação. Eu fiquei só tomando água.