Título: COMPROMISSO COM OS DIREITOS HUMANOS
Autor: JORGE TAIANA
Fonte: O Globo, 12/05/2006, Opinião, p. 7

No último dia 9 de maio, a Argentina foi escolhida para integrar o Conselho de Direitos Humanos, novo órgão das Nações Unidas que substituirá a Comissão de Direitos Humanos, que funcionou desde 1947. Nosso país foi eleito pela Assembléia Geral como um dos quarenta e sete estados que integrará o novíssimo Conselho de Direitos Humanos, junto com o Brasil, e, com certeza, trabalharemos em conjunto. Agradecemos a todos aqueles Estados que, ao levar em consideração nossa trágica história de violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos, valorizaram a trajetória e os compromissos que hoje temos nessa matéria. Esta eleição implica uma profunda responsabilidade com todas as pessoas, organizações e governos que esperam que este organismo seja importante para garantir maior vigência dos direitos humanos no mundo todo.

Esta nova instituição será permanente e dependerá diretamente da Assembléia Geral, o que lhe permitirá abordar com a profundidade necessária as violações dos direitos humanos em todos os países. Seu trabalho deverá ser guiado pelos princípios de universalidade, imparcialidade, objetividade, não seletividade e diálogo construtivo internacional, e deverá informar a tempo aos organismos que, como o Conselho de Segurança, possam intervir ou deter violações massivas e sistemáticas.

O novo Conselho deve transcender os debates políticos circunstanciais e se transformar em elemento estável, central e permanente das relações internacionais. A sociedade argentina sofreu no passado a politização e a seletividade da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que privilegiou um equilíbrio bipolar em detrimento da defesa de valores humanos fundamentais e atemporais, como o da vida. Apesar das milhares de denúncias que foram recebidas na Comissão durante a ditadura militar (1976-1983), o governo do meu país nunca foi condenado e essa indiferença forçou a criação de um grupo para apresentar publicamente as violações massivas e sistemáticas que ocorriam na Argentina.

Aprendemos da nossa própria história e desde o retorno da democracia assumimos uma posição de princípios na defesa e promoção dos direitos humanos. Ratificamos a grande maioria dos tratados regionais e universais de direitos humanos e, como muito poucos países no mundo, outorgamos a esses instrumentos hierarquia constitucional. Cooperamos permanentemente com os órgãos internacionais de controle e participamos em todos os fóruns com o intuito de elevar os padrões existentes em nível mundial nessa matéria.

Desde o início do debate sobre a reforma do sistema das Nações Unidas o governo do presidente Néstor Kirchner apoiou firmemente a hierarquização dos direitos humanos dentro da Organização, com o objetivo de colocá-los no mesmo nível que já têm os assuntos relativos ao desenvolvimento e à manutenção da paz e segurança institucionais. Essa atitude não é uma opção, é uma obrigação de todos os Estados à luz da importância que os direitos humanos têm hoje para a paz, o desenvolvimento e a estabilidade democrática.

Devemos resgatar e reforçar a real dimensão dos avanços realizados pela Comissão para o direito internacional dos direitos humanos durante várias décadas, desenvolvendo padrões e tratados. Nesta primeira etapa, devemos nos assegurar de que as questões procedimentais não desalojem as substantivas e aprovar rapidamente a Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados e a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

O Conselho de Direitos Humanos oferece à comunidade uma oportunidade de garantir um sistema internacional de proteção eficiente e eficaz. Alcançar esse objetivo é obrigação de todos os Estados que assumiram protagonizar esta nova etapa, sempre conscientes de que respeitar o princípio de negociação não deve implicar a negociação dos princípios. Transcorridos trinta anos do golpe militar que sacudiu a institucionalidade e os direitos fundamentais dos habitantes do meu país, a Argentina se compromete a colaborar para que o Conselho de Direitos Humanos esteja à altura das circunstâncias que exige o século XXI neste tema essencial para a sobrevivência das nações.

JORGE TAIANA é chanceler da Argentina.