Título: TELECONFERÊNCIA EM PRESÍDIOS
Autor: Ana Cláudia Costa
Fonte: O Globo, 12/05/2006, Rio, p. 14

Detentos voltam a usar radiotransmissores em Bangu para falar com cúmplices fora da cadeia

Quatro meses depois de O GLOBO noticiar que presos do complexo penitenciário de Bangu usavam radiotransmissores para entrar em contato com o mundo exterior, criminosos continuam recorrendo aos mesmos equipamentos para se comunicar com detentos em outros presídios ou cúmplices fora da cadeia. Como numa teleconferência, usando as celas como se fossem seus escritórios, bandidos voltaram a se falar nas noites de terça e de quarta-feira, driblando os bloqueadores de celulares. As conversas, assim como aconteceu em janeiro, foram flagradas por um radioamador da Zona Oeste.

Segundo ele, a comunicação entre os criminosos aconteceu depois das 21h, quando os inspetores de segurança já tinham feito o ¿confere¿ ¿ contagem dos detentos ¿ e apagado as luzes dos presídios. As teleconferências tiveram a participação de três pessoas. Um preso, de uma penitenciária com bloqueador de celulares, usou o radiotransmissor para entrar em contato com outro presidiário numa unidade sem bloqueador. Este segundo detento, também com um radiotransmissor, acoplou a seu aparelho um telefone celular com viva-voz, com o qual é feita a conexão com o cúmplice em liberdade.

Nas conversas captadas pelo radioamador, os criminosos dão a entender que são integrantes de quadrilhas de favelas da Zona da Leopoldina. Eles negociam a compra de maconha e crack para serem vendidos num baile funk. Além disso, um preso pede contato com o advogado para acelerar seu processo no Fórum de Caxias e ser beneficiado com o regime semi-aberto ou a liberdade condicional. O criminoso também estipula um valor para pagamento de propinas a policiais militares do Serviço Reservado. Os detentos tratam ainda da compra de armas.

Dessa vez, para evitarem perder os aparelhos, os bandidos tomaram mais cuidado e não identificaram claramente de qual unidade estavam falando.

Secretaria diz que faz vistorias diárias

Em janeiro, o secretário estadual de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, admitiu que os detentos usavam radiotransmissores. Na época, ele disse que os aparelhos entravam nas unidades por intermédio de parentes ou agentes corruptos. Para evitar que a comunicação continuasse, chegou a trocar presos de galeria. Ontem, Astério estava viajando, mas a secretaria informou que não tem uma unidade em Bangu chamada ¿Pavilhão Oito¿, que é onde um dos presos flagrados conversando disse estar. Ainda de acordo com o órgão, sem dados concretos não há como precisar a origem e o destino das ligações.

A secretaria Informou também que a coordenação de segurança do complexo faz vistorias diárias nas quais celulares são apreendidos. Nos últimos meses, radiotransmissores não foram enconrados. O serviço de inteligência da secretaria já solicitou à Liga de Amadores Brasileiros de Radioemissão (Labre) uma reunião, para ter mais conhecimento sobre esse tipo de aparelho.

Segundo o radioamador que captou as conversas dos presidiários, para poderem usar os radiotransmissores os bandidos devem ter acesso a um operador que possa programar esses aparelhos. O radiotransmissor que estaria sendo usado pelos traficantes seria do tipo Yaeso SMD, de circuito miniaturizado. Esse equipamento, de acordo com o radioamador, é pouco maior que um celular.

Os rádios usados pelos bandidos podem operar nas freqüências UHF e VHF. Portáteis, permitem que a transmissão seja feita de uma sala ou de um carro, de maneira discreta. O equipamento dispõe de um dispositivo que permite estabelecer um código para impedir outros rádios de participarem da transmissão.

Marcello Campos, professor de sistema de telecomunicações da UFRJ, disse que os radiotransmissores têm uma grande potência e, para serem bloqueados, é necessário saber em que faixa estão operando. Segundo ele, é possível que outro operador possa estar gravando conversas entre os traficantes, uma vez que as faixas são abertas.

O serviço de radioamador no Brasil é concedido a pessoas habilitadas e concursadas. Portanto, para ser radioamador, o cidadão deve ser autorizado pelo governo federal. O serviço é regido pela norma 01A/80, aprovada pela portaria 218-MC, da Anatel.

Para se tornar um radioamador, é necessário obter o Certificado de Operador de Estação de Radioamador (Coer). Já para ter uma estação em casa, é preciso conseguir um outro documento, que é a Licença de Funcionamento de Estação de Radioamador. E, para conseguir essa licença, é necessário fazer provas sobre legislação referente ao radioamadorismo e conhecimentos técnicos de radioeletricidade e telegrafia. As provas são realizadas pela Labre, por meio de um acordo firmado com o Ministério das Comunicações. O serviço é considerado de utilidade pública e, em ocasiões excepcionais, as freqüências e os equipamentos de radioamadores podem ser solicitados para serem utilizados como reserva técnica dos serviços de telecomunicações das Forças Armadas.

COLABOROU Elenilce Bottari