Título: Cavalo de batalha de Morales
Autor: Soraya Aggege e Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 12/05/2006, Economia, p. 25

Presidente da Bolívia reclama da compra do Acre e acusa Petrobras de atividades ilegais

Opresidente da Bolívia, Evo Morales, fez duros ataques ao Brasil e reacendeu uma polêmica sobre o território que hoje é o estado do Acre. Ontem, no início da 4ª Cúpula União Européia-América Latina e Caribe, em Viena, Morales disse que o Acre foi ¿trocado por um cavalo¿ e fez pesadas críticas à Petrobras, dizendo que a empresa mantém atividades ilegais na Bolívia. Ele acusou as empresas petrolíferas de fazerem contrabando e afirmou que não pagará indenizações pelas expropriações que forem feitas. Morales argumentou ainda que tentou conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para avisá-lo de sua decisão de nacionalizar as reservas de petróleo e gás, mas foi barrado por assessores brasileiros. O presidente da Bolívia ganhou os holofotes da imprensa mundial ontem.

Morales afirmou que embora tenha conversado com Lula sobre a cooperação entre os dois países, não houve ainda ação concreta da parte do Brasil para ajudar a Bolívia. Em seguida, lembrou o episódio em que o Brasil adquiriu o Acre da Bolívia, há cerca de cem anos.

¿ Lamento muito a história passada. O Acre foi trocado por um cavalo. Isso não ocorre no nosso governo nem acontecerá mais, porque vamos defender nosso território e a luta indígena ¿ disse, em entrevista para dezenas de jornalistas estrangeiros.

Ao mesmo tempo em que atacou o Brasil e, indiretamente, a Espanha ¿ que não teria ainda perdoado a dívida da Bolívia ¿ Morales fez elogios a Cuba, Venezuela, Dinamarca e Japão, países ¿que ajudam incondicionalmente¿. A estratégia do governo boliviano seria envolver os governos considerados de esquerda na Espanha, na Argentina e no Brasil nas negociações com as petrolíferas.

`As petroleiras não pagam impostos¿

Segundo o presidente boliviano, os cerca de 70 contratos de empresas petrolíferas firmados no passado em seu país são ¿ilegais e inconstitucionais¿, pois não foram aprovados pelo Congresso.

¿ A Petrobras tinha atividades ilegais em meu país. Os contratos das multinacionais foram feitos de forma reservada. Qualquer contrato terá que ser ratificado pelo Congresso ¿ disse Morales, frisando que, além da Petrobras, outras empresas estão sendo investigadas por sonegação fiscal e contrabando. ¿ As petroleiras não pagam impostos, as petroleiras são contrabandistas, que direito jurídico elas podem exigir?

O presidente da Bolívia deixou claro que não pretende indenizar as petrolíferas. Segundo ele, as empresas ¿terão direito de recuperar seus investimentos¿ com lucros obtidos com a manutenção das atividades na Bolívia. Morales disse que desde a campanha presidencial vinha alertando que nacionalizaria os recursos.

¿ Não por uma questão de intransigência do presidente, mas para defender os interesses do povo boliviano, principalmente dos indígenas. Lamentamos muito que as pessoas estejam reagindo dessa forma, mas vamos nacionalizar todos os recursos naturais, inclusive os latifúndios improdutivos.

Morales foi questionado sobre a situação dos plantadores de soja brasileiros na Bolívia:

¿ Eu respeito completamente aqueles que respeitam completamente a lei na Bolívia, tenho inclusive amigos entre eles.

Morales nega insegurança jurídica

Morales afirmou que há grupos brasileiros ilegalmente baseados em seu país e citou como exemplo a siderúrgica EBX:

¿ Pela Constituição da Bolívia, empresas que tomem terra a 50 quilômetros da fronteira são ilegais. Empresas que não têm autorização ambiental para operar no Brasil vêm para a Bolívia operar no nosso território.

Morales iniciou a entrevista irritado com jornalistas brasileiros que o questionaram sobre a Petrobras. Perguntado se não pensou em avisar ao presidente Lula sobre a decisão de nacionalizar as reservas, disse que seu pais é independente:

¿ Quero dizer, com muito respeito ao Brasil e a todo mundo: não temos por que perguntar, consultar, informar ninguém sobre políticas soberanas do nosso país. Como qualquer país, temos o direito de defender nossos recursos naturais. Necessitamos de sócios, não de patrões. E não estamos expulsando ninguém, apenas nos apropriando do que é nosso.

Ao fim da entrevista, disse que tentou falar com Lula, mas foi barrado.

O presidente da Bolívia rechaçou o risco de os investidores estrangeiros deixarem de procurar o país por não terem segurança jurídica.

¿ De que segurança jurídica nos podem falar, ou seus países, se são os primeiros a violar a segurança jurídica?¿ perguntou, em referência a denúncias de sonegação e contrabando.

Morales também chamou a atenção da União Européia sobre a condição indígena de seu país:

¿ Sinto que vocês querem ver Evo Morales com plumas, pelado. Somos seres humanos iguais a vocês.

DECLARAÇÕES DE MORALES CONTRADIZEM ACORDO ENTRE BRASIL E BOLÍVIA EM LA PAZ, na página 26