Título: `Se não têm titularidade, não são donos¿
Autor: Eliane Oliveira, Monica Tavares e Luiza Damé
Fonte: O Globo, 12/05/2006, Economia, p. 26

LA PAZ. Depois do decreto que nacionalizou as reservas de gás e petróleo, a Bolívia implementará, até o fim do mês ou no mais tardar no início de junho, as primeiras medidas de reforma agrária. Segundo o ministro de Terras, Carlos Villegas, as desapropriações serão não apenas em terrenos improdutivos, mas também para quem não tem registro de imigrante e título da terra.

Como será a reforma agrária do presidente Evo Morales?

CARLOS VILLEGAS: Há alguns anos, movimentos populares pediram a elaboração de uma lei de reforma agrária. Já havia sido feita uma em 1952, sem levar em consideração a parte oriental da Bolívia, onde há concentração de terras, entregues a grupos pequenos, especialmente políticos. Assim, foi elaborada a Lei de Reforma Agrária, em vigor há cinco anos, mas nunca aplicada, que garante concessão de títulos aos bolivianos que têm direito e exige a comprovação de que as terras cumprem funções econômico-sociais, ou seja, que estejam produzindo. As terras que não estiverem de acordo com as regras serão transferidas ao Estado, que as repassará a organizações de camponeses e povos indígenas.

Quantas propriedades podem ser consideradas improdutivas na Bolívia?

VILLEGAS: O Instituto Nacional de Reforma Agrária está realizando um estudo para detectar as terras de potencialidade agrícola e que aparentemente estão ociosas. Em algumas semanas teremos o resultado.

Isso significa que os agricultores brasileiros, a maioria na fronteira, não devem ter esperanças?

VILLEGAS: Se há brasileiros na fronteira, devem cumprir os seguintes requisitos: em primeiro lugar, ter permissão para residir na Bolívia, estar em situação legal; em segundo, se têm terras, precisam ter títulos de propriedade; em terceiro, a propriedade deve ter a função econômica e social. Sem cumprir essas condições, é praticamente um cidadão brasileiro ilegal e, como qualquer outro país, a Bolívia estenderá a mão, agradecerá e lhe dirá: obrigado por seus serviços e bom regresso.

Dizem que parte considerável dos brasileiros que vivem na Bolívia não se enquadra em pelo menos uma dessas condições, especialmente titularidade. Não há negociação ou exceção mesmo para os exportadores de soja?

VILLEGAS: Se não têm titularidade, não são donos da terra.

Nem se estiverem no país há cerca de 30 anos, como ocorre no estado de Pando, na fronteira com o Acre, onde há cerca de dois mil agricultores brasileiros?

VILLEGAS: Não. É como se eu estivesse no Brasil, ocupando de forma ilegal uma propriedade. Certamente, as autoridades brasileiras não permitiriam que eu ficasse sem ter o título.

Quantos brasileiros estão em situação irregular?

VILLEGAS: Ainda não temos essa informação.

Quando começará de fato a reforma agrária na Bolívia?

VILLEGAS: Nos últimos dias de maio, até o início de junho, no máximo.

No Brasil há direito de usucapião para quem ocupa a terra há mais de 30 anos. E aqui, há?

VILLEGAS: Há, mas me parece que não se estende a estrangeiros. (Eliane Oliveira, enviada especial)