Título: O BRAÇO OFICIAL QUE ARMA O CRIME
Autor: Fabio Vasconcelos
Fonte: O Globo, 13/05/2006, Rio, p. 20

Quase 1/3 das armas de um fabricante apreendidas com bandidos saiu de órgãos de segurança

Um levantamento preliminar feito pela CPI do Tráfico de Armas, a partir da apreensão de cerca de mil armas que estavam nas mãos de bandidos no Rio, mostra que quase um terço delas foi desviado de órgãos de segurança, como quartéis do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, e das polícias Militar, Civil e Federal. A CPI, aberta na Câmara dos Deputados, ainda está analisando os dados de outras 42 mil armas retiradas dos criminosos entre 1998 e 2003. Já se sabe que, desse total, cerca de 7.500 foram fabricadas no exterior.

Segundo o sub-relator da CPI, deputado federal Raul Jungmann (PPS), o número de armas apreendidas no estado deveria ser maior, já que aproximadamente dez mil pistolas, fuzis e revólveres sumiram da Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (Dfae), também entre 1998 e 2003. O deputado considerou preocupante o grande número de armas desviadas das forças policiais. A Secretaria de Segurança informou que já foi realizada uma devassa na Dfae para descobrir os envolvidos no desvio de armas e munição. A investigação, segundo a secretaria, levou à prisão de um inspetor, por envolvimento no crime de desvio de material. A inspeção inicial constatou a liberação irregular de cerca de dez mil projéteis e não de armas.

¿ Isso quer dizer que esses órgãos de segurança precisam urgentemente reformular suas políticas de seguranças, porque eles estão servindo, ainda que involuntariamente, de braço para armar o próprio crime ¿ afirmou Jungmann.

Deputado critica órgãos de segurança

A CPI, criada no ano passado, chegou aos primeiros resultados da investigação após identificar os compradores de 958 armas apreendidas com bandidos e que foram fabricadas pela Imbel. Com a identificação, a CPI descobriu que 50% foram vendidas ao setor privado e 28% ao setor público (polícias e Forças Armadas), mas 22% não tiveram destino identificado. Outras empresas, entre elas a Taurus, principal fabricante de armas do Brasil, ainda não enviaram os dados. Ela é responsável pela fabricação de 59% das armas apreendidas no Rio, seguida da Rossi (33%), da Imbel (2,7%) e da CBC (2,35%). Os deputados pretendem convidar os responsáveis por essas empresas.

O levantamento indica que, das 273 armas desviadas do setor público, 41% saíram da Polícia Militar, 32% do Exército e 11% da Polícia Civil. A pistola foi a arma mais desviada (75%), seguida de fuzis (9%) e espingardas. Somente em relação à PM do Rio, boa parte do armamento (75%) estava no Batalhão de Choque antes de ir parar na mãos de criminosos. Outros 25% estavam sob a responsabilidade do Comando Geral da PM. Do total de 40 armas vendidas para o Exército, 24% estavam em nome da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), antes de ser usadas por bandidos.

As armas do setor privado que foram usadas por criminosos saíram de lojas que funcionam em Duque de Caxias (13%), Nova Iguaçu (23%) e Rio de Janeiro (24%), entre outros lugares. O cruzamento de dados da CPI indica que a maior parte das armas usadas por criminosos não veio de fora do Estado do Rio.

Segundo Jungmann, do total de 744 armas vendidas e que tiveram o comprador identificado pela Imbel, 72% foram enviadas para o Estado do Rio e outros 28% para os estados de Minas Gerais e São Paulo:

¿ Fica claro que os órgãos de segurança daqui, e infelizmente não apenas os daqui, estão devendo uma politica de segurança que não permita que órgãos policiais venham a armar o crime ¿ afirmou o deputado.

Os integrantes da CPI ficaram dois dias no Rio. Nesse período, ouviram o depoimento de quatro chefes do tráfico de drogas que estão presos. Os depoimento foram tomados na Polícia Federal. O criminosos revelaram que granadas de fabricação Argentina, encontradas pela polícia no Rio, teriam sido desviadas com ajuda de integrantes das Forças Armadas daquele país.

Ao saber do resultado do levantamento feito pela CPI, o secretário de Segurança Pública, Roberto Precioso Júnior, informou que vai colocar à disposição da CPI uma pesquisa inédita feita pelo Grupo Executivo do Programa Delegacia Legal, que revela a origem de quase 90 mil armas apreendidas pelas polícias do Rio de 1999 a 2005.

A pesquisa da Secretaria de Segurança mostra que, do total de 86.849 armas apreendidas no Estado do Rio entre abril de 1999 e julho do ano passado, 28.930, ou seja 33%, foram compradas legalmente em lojas cadastradas. Desse total, 65% (18.702) das armas pertenciam a pessoas físicas e 29% (8.536) eram de patrimônio das polícias ou das Forças Armadas. O estudo da secretaria mostra ainda que 84,9% das armas de origem legal apreendidas eram de fabricação nacional e 15,1%, produção estrangeira.