Título: Brasil já prevê medidas de retaliação à Bolívia em caso de radicalização
Autor: Soraua Aggege, Deborak Berlinck e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 13/05/2006, Economia, p. 36

Se Morales voltar a ameaçar, Petrobras entraria na Justiça internacional

VIENA e LA PAZ. O governo brasileiro não descartou medidas fortes contra a Bolívia, como a retirada do embaixador em La Paz, ou o cancelamento da compra do gás, diante da radicalização do presidente Evo Morales. A tradicional posição conciliadora da diplomacia brasileira mudará em relação ao país vizinho se Morales voltar a ameaçar o Brasil com discursos ofensivos ou troca de regras. Em caso de retaliação, já há uma série de medidas preparadas. A Petrobras, por exemplo, voltaria atrás em seu compromisso de não entrar na Justiça internacional alegando quebra de contrato, e seria suspensa a negociação para a abertura do mercado brasileiro a produtos bolivianos, tais como móveis, confecções, jóias e madeira.

Em Viena, onde participa da 4ª Cúpula União Européia-América Latina e Caribe, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ponderou que o Brasil agiu com firmeza, mas sem precipitações. Amorim pretende ir à Bolívia por volta do dia 20 para avaliar a crise de perto.

¿ Prefiro não ficar especulando medidas. Pode ocorrer (a retirada do embaixador da Bolívia), mas não vamos ficar fazendo ameaças. Talvez eu vá para a Bolívia. Nós temos que ter certeza sobre onde estamos pisando ¿ disse o chanceler ontem.

Ele reafirmou que os ataques de Morales ¿ que acusou a Petrobras de cometer ilegalidades em seu país, como contrabando, e reabriu a discussão sobre um acordo centenário no Acre ¿ não coincidem com os pactos assinados recentemente na Bolívia.

¿ Não podem esperar que o Brasil atue precipitadamente, mas isso não exclui a firmeza. E ela será mostrada da maneira adequada, nos momentos adequados ¿ disse Amorim.

Morales estaria motivado por eleições na Bolívia

O governo teria avaliado que Morales tem feito declarações motivado pelo clima de campanha eleitoral em seu país. Outra versão é de que teria se empolgado com a abordagem da mídia mundial.

¿ Às vezes, as expressões ditas para um público podem estar buscando um outro efeito. Às vezes, a platéia é muito grande, as pessoas se entusiasmam ¿ disse o chanceler.

Segundo fontes do governo brasileiro, Morales estaria em uma ¿reta suicida¿, perdendo credibilidade ao dar declarações opostas aos compromissos assumidos por ministros.

Para as autoridades brasileiras, é preciso uma declaração firme do governo boliviano de que o que vale agora é o documento assinado na última quarta-feira, em La Paz, que prevê a a indenização a que teria direito a Petrobras.

Perguntado por jornalistas sobre a hipótese de retirada do embaixador, Antonino Mena Gonçalves, como medida extrema, ele disse que não será possível descartá-la:

¿ Nós não vamos retirar o embaixador simplesmente pelo que ainda está sendo discutido. Agora, evidentemente, se nós verificarmos que não há diálogo possível, nós vamos examinar as opções que existem. Eu prefiro não ficar discutindo todos os meios que nós vamos usar porque não acho isso produtivo. Não vou ser impulsionado por reações midiáticas. Não quer dizer que não serão reações fortes nem estou excluindo que certas coisas possam ocorrer.

Tanto Lula quanto Morales evitaram comentar o conflito entre os países. Diante da insistência de jornalistas sobre a possibilidade de um encontro com Morales, Lula disse que vai ¿estar no mesmo espaço geográfico que ele.¿ O primeiro encontro entre os dois será hoje.

Em caso de radicalização de Morales, o leque de respostas vai além do gás. O governo brasileiro está disposto a não prorrogar o acordo de reciprocidade em migração, que vence em setembro, se as autoridades daquele país expulsarem os cerca de dois mil brasileiros que moram na fronteira em situação irregular. Com o fim da vigência do acordo, cerca de 70 mil bolivianos que residem no Brasil teriam igual tratamento.

Quanto ao gás, técnicos da área de petróleo e infra-estrutura já discutem a elaboração de um plano B se ocorrer a suspensão do fornecimento pela Bolívia. O problema é que, qualquer que seja a estratégica, esta é de médio a longo prazo.

O clima tenso, porém, começou a esfriar ontem, com declarações mais amistosas de Morales em Viena. E, antes mesmo de Morales baixar o tom, já havia a decisão do Palácio do Planalto e do Itamaraty de não chamar de volta o embaixador em La Paz. Trata-se de uma medida extrema, o primeiro passo para o rompimento, e o preço, segundo fontes oficiais, seria alto demais.

Além disso, seria a primeira vez em que o governo tiraria um embaixador de um país da América do Sul. Para o presidente Lula, dizem fontes, isso seria péssimo pois, em franca campanha para a reeleição, teria seu projeto de integração na América do Sul comprometido.