Título: A honra nacional
Autor: JOSÉ MURILO DE CARVALHO
Fonte: O Globo, 14/05/2006, Opinião, p. 7

Uma das paixões de D. Pedro II foi o Brasil. Quando estava em questão a honra nacional, ele era intransigente, quase exageradamente intransigente para uma pessoa de temperamento racional e pacifista. A intransigência revelou-se em todas as ocasiões em que estiveram em jogo o interesse e a honra nacionais.

Sua primeira manifestação verificou-se em 1852. O presidente da Confederação Argentina, Juan Manuel Rosas, interviera no Uruguai em apoio a Oribe, que hostilizava os gaúchos lá residentes, desapropriando sem indenização suas propriedades. Os gaúchos faziam grande pressão sobre o governo reivindicando que ele defendesse seus interesses. Dom Pedro era favorável à neutralidade do Brasil no Prata, mas ressalvava a defesa dos interesses e da honra nacionais que, no caso, via ameaçados. Chamou, para o Ministério dos Estrangeiros, Paulino José Soares de Sousa, que definiu com clareza a política platina do Brasil: manter o status quo, não conquistar território nem deixar que a Argentina conquistasse. Daí a decisão de defender a praça de Montevidéu contra Oribe e de aliar-se aos governadores das províncias argentinas de Entre Rios, Urquiza, e de Corrientes, Virasoro, ambos rivais de Rosas. O desfecho da luta se deu na batalha de Monte Caseros, em 1852, em que Urquiza, apoiado por tropas brasileiras, derrotou Rosas.

A segunda manifestação aconteceu durante o conflito com Douglas Christie, representante da Inglaterra no Rio de Janeiro. O caso era muito mais sério do que o primeiro, pois tratava-se de enfrentar o país mais poderoso da época. Christie era arrogante e vinha aporrinhando o governo brasileiro em torno de várias questões. O caldo entornou de vez no final de 1862 quando três oficiais da marinha inglesa foram presos na Tijuca por desacato à polícia. Um deles era um capelão beberrão e de maus costumes. Christie exigiu satisfação pela prisão dos marinheiros e indenização por um episódio anterior de saque de navio inglês. Não querendo o conflito, o imperador achava, no entanto, que o Brasil ¿não podia anuir com decoro¿. As exigências foram rejeitadas. O truculento diplomata mandou então que a marinha inglesa apreendesse navios mercantes brasileiros fora da baía. Uma dúzia deles foi apreendida. Em resposta, a esquadra brasileira foi colocada de prontidão. O imperador e o ministério decidiram que nenhum navio de guerra brasileiro, se atacado, arriaria a bandeira, indo de preferência ao fundo. Se as presas fossem trazidas para dentro da baía, os fortes e os navios de guerra deveriam entrar em ação.

Dom Pedro desceu de São Cristóvão para a cidade a fim de encorajar a resistência, sob aplausos da multidão comandada por Teófilo Otoni. Garantiu aos manifestantes que o governo só admitiria saída que fosse honrosa para o país. Os jornais incitavam a população a reagir e falou-se em organizar corpos de voluntários para resistir à agressão inglesa. Dom Pedro só admitia negociar depois da liberação dos navios apreendidos. Christie cedeu, liberou os navios e aceitou o arbitramento para o caso dos marinheiros, tendo o governo pago, sob protesto, a indenização pelo saque.

O ministro inglês foi substituído pelo secretário da legação. O ministro brasileiro na Inglaterra pediu os passaportes ao mesmo tempo em que no Rio de Janeiro o governo dava os passaportes a Christie. As relações diplomáticas entre os dois países foram interrompidas, e só foram restabelecidas em 1865, mediante pedido de desculpas da Inglaterra.

A manifestação mais dramática da preocupação do imperador com a honra do Brasil se deu durante a Guerra do Paraguai. Como sempre, o conflito começou no Uruguai, onde, novamente, os proprietários gaúchos eram hostilizados, agora pelo presidente Berro. Novas pressões sobre o governo. Os gaúchos, que já se tinham separado do Brasil, ameaçavam: se o Império não servia para os defender, para que serviria? Com o apoio da Argentina, desta vez nossa aliada, foi feito um acordo com Aguirre, sucessor de Berro. Mas o acordo não foi cumprido e, em conseqüência, o Brasil lançou um ultimato. A legação brasileira em Montevidéu foi atacada e a bandeira nacional foi arrastada pelas ruas. Como reação, o Brasil apoiou Flores, adversário de Aguirre, e o ajudou a chegar ao poder. Nem os diplomatas brasileiros, nem os argentinos acreditavam que o Paraguai fosse intervir na disputa. Mas López, sem declarar guerra, aprisionou o vapor Marquês de Olinda. Logo depois, declarou guerra e invadiu Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

A reação à invasão foi imediata por parte do governo e da população. O imperador assumiu a liderança do esforço de guerra e o fez, sem esmorecer, durante os cinco anos que durou o conflito. Só admitia sair da guerra de maneira honrosa para o Brasil. Isso incluía cumprir o tratado da Tríplice Aliança que exigia a deposição e expulsão de López. A expressão ¿honra do Brasil¿ tornou-se uma constante em suas declarações, verbais e escritas, públicas e privadas. Ameaçou abdicar o trono para alistar-se como voluntário e doou 25% de seus vencimentos para o esforço de guerra. Rejeitou mediações, insistindo em que a vitória era uma questão de honra para o país. Pacifista radical por educação e convicção, tornou-se um beligerante em defesa do que julgava ser a honra do Brasil.

Em meio às grandes festas da vitória, em 1870, escreveu na Fala do Trono: ¿A História atestará em todos os tempos que a geração atual mostrou-se constante e inabalável no pensamento unânime de desagravar a honra do Brasil.¿

A última prova de amor ao Brasil ele a deu já no exílio ao não permitir que se falasse mal do país, ou do governo republicano, em sua presença. O amor à pátria lhe foi reconhecido por todos, amigos e inimigos, por ocasião da morte. Os métodos usados no século XIX para defender a honra nacional não precisam, nem devem, ser repetidos. Mas vale a pena registrar que naqueles tempos, e mesmo nos tempos do barão do Rio Branco, o Brasil não levava desaforo para casa.

JOSÉ MURILO DE CARVALHO é historiador.