Título: COTAS PARA NEGROS DIVIDEM DOCENTES
Autor: Cláudia Lamego
Fonte: O Globo, 14/05/2006, O País, p. 15

Pesquisa mostra que medida é polêmica até em universidades que já a adotam

A divisão que cerca a discussão sobre as cotas para negros se reflete também em universidades onde elas já foram implantadas. Pesquisa do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) ouviu 557 docentes de quatro universidades que já têm cota e mostrou que 52% deles são a favor do programa, mas 42% se declararam contra. Apenas 6% disseram que não têm opinião sobre o tema.

Foram ouvidos professores dos cursos de direito, engenharia civil, história, medicina e pedagogia da própria Uerj, da Universidade do Estado da Bahia, da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade de Brasília, que foi a primeira no país a implantar o sistema de cotas para negros e índios. Nos cursos de medicina e engenharia, onde o mérito é mais valorizado porque o acesso é mais competitivo, há maior rejeição às cotas.

Na medicina, somente 22,7% dos professores se disseram a favor das cotas e 70,1%, contra. Em engenharia, 69,9% são contra e 28,6%, a favor. Já nos cursos de pedagogia e história, o resultado se inverte: no primeiro 74% são a favor e 19,3%, contra; e no segundo 69,7% são a favor e 24,2%, contra.

Na opinião de José Luis Petrucelli, pesquisador do IBGE e consultor do LPP, é natural que os cursos mais elitistas, com dificuldade de acesso, tenham mais resistências ao sistema de cotas.

¿ Eles defendem o status quo ¿ diz o pesquisador, que é a favor das cotas. ¿ Sobre o resultado geral, acho que o apoio de 52% é razoável, embora a proporção dos que apóiam não seja tão alta ¿ afirma Petrucelli, um dos coordenadores da pesquisa.

¿ Os cursos da área de exatas e de saúde são mais resistentes às cotas porque são mais competitivos. Já os da área de humanas tendem a aceitar melhor essa política porque, em geral, já estudam e refletem melhor sobre a questão da desigualdade ¿ diz a professora de educação da Universidade Federal de Juiz de Fora Azuete Fogaça.

O questionário apresentado aos professores tinha perguntas sobre a existência do racismo na sociedade e na universidade. Dos docentes que afirmaram haver racismo na sociedade, 53,3% se disseram a favor das cotas; 40,8%, contra e 5,9%, não têm posição. Dos que acham que não há racismo na sociedade, 44% são a favor das cotas para negros; 50,7%, contra e 5,3%, não têm opinião.

Dos professores que admitem ter racismo na universidade, 67,6% são a favor das cotas; 27,5% são contra e 5,9% não manifestaram sua opinião. Já dos que não admitem, 39,1% são a favor; 54,2%, contra e 6,7% não têm posição.

Azuete Fogaça, que vem estudando o sistema de cotas principalmente em relação aos indígenas, vê uma contradição nas respostas:

¿ É interessante que 44% que não vêem racismo sejam a favor da cota. Normalmente quem é contra a cota nega o racismo. Mas há também quem ache que não é a raça que exclui o cidadão, mas a pobreza generalizada.

Professores avaliam desempenho dos cotistas

Os 251 professores que já deram aulas para alunos cotistas também avaliaram o desempenho desses estudantes: 42 responderam que o desempenho é muito bom; 143, bom; 47, regular; 16, ruim e apenas três, péssimo. Ao comentar o resultado, Azuete levantou uma polêmica: para ela, a qualidade do ensino da educação básica em geral está mais baixa.

¿ A baixa qualidade do ensino básico se reflete na faculdade ¿ diz.

Dos professores que se declararam de cor preta, 96% são a favor da cota e 3,1%, contra. De cor branca, 43,5% se disseram a favor e 49,5%, contra.