Título: Mais de 130 mil vagas e incertezas
Autor: Luciana Rodrigues, Mariza Louven e Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 14/05/2006, Economia, p. 33

Setor naval do Rio reage mas sofre concorrência de outros estados e precisa se modernizar

Depois de amargar duas décadas de uma crise que praticamente desativou suas instalações no Estado do Rio, a indústria naval deu uma guinada e, hoje, emprega mais de 130 mil pessoas, entre vagas diretas e indiretas. Já são 20 estaleiros reativados ou recém-inaugurados no estado, com uma carteira de encomendas de pelo menos US$2,47 bilhões (cerca de R$5 bilhões) para este ano.

¿ A construção naval, uma das mais tradicionais do estado, está em franca retomada, a reboque da atividade de petróleo ¿ comemora o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Ariovaldo Rocha.

Mas o baixo investimento na modernização do parque industrial, instalado nos anos 50, a dificuldade de obter crédito e a falta de regularidade nas encomendas ameaçam essa recuperação. E o segmento já enfrenta forte concorrência dos ¿estaleiros virtuais¿ de outros estados, que mesmo antes de serem construídos conquistaram grandes encomendas.

¿ Se quisermos uma indústria naval competitiva, será preciso mudar a lógica do setor e imprimir uma mentalidade mais agressiva, com investimentos em capacitação tecnológica ¿ afirma Segen Estefen, coordenador do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ. ¿ A oportunidade é agora, já que estamos diante de grandes encomendas.

Setor pesa 28,8% no PIB de Niterói

Estefen refere-se à licitação da Transpetro, subsidiária da Petrobras que, numa primeira etapa, vai encomendar 26 navios no país, num valor total estimado em US$2 bilhões. Mas quase a metade disso deve ir para Pernambuco, onde o consórcio formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão está construindo uma unidade no Porto de Suape. O grupo foi o único que apresentou proposta pelas dez maiores embarcações do lote. Um novo estaleiro que começou a ser construído em Itajaí, Santa Catarina, deve levar outros três navios da licitação.

¿ As construtoras são gigantes, com muitos recursos e nenhum problema para obter financiamentos ¿ disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e Itaboraí, José de Oliveira Mascarenhas.

A encomenda da Transpetro é importante porque, se o Rio está bem posicionado na fabricação de plataformas e embarcações de apoio para a extração de petróleo, ainda falta deslanchar na construção de navios, diz Floriano Pires, também da Coppe. De qualquer maneira, só com a retomada nas atividades mais ligadas ao petróleo, o setor naval já responde por 28,8% do PIB de Niterói e de 41% em Angra dos Reis, segundo cálculos da Fundação Cide.

Mas há quem não esteja colhendo os frutos da mudança. José Cunha, presidente do estaleiro SRD Offshore, que ocupa uma área de 85 mil metros da antiga Verolme, em Angra dos Reis, continua cético. Há cinco anos em atividade, a empresa é especializada na construção e reparo de rebocadores e também faz manutenção em embarcações de luxo como o iate Lady Laura, do cantor Roberto Carlos.

¿ Ainda não experimentei a chamada retomada ¿ afirma Cunha.

No mercado de trabalho, porém, os efeitos são visíveis. A técnica de estrutura naval Michelle da Silva Loureiro, de 24 anos, concluiu o ensino médio na Escola Técnica Henrique Lage já com emprego garantido.

¿ No começo, eles (os operários) não queriam muito aceitar ordem de menina. Agora já lidam melhor com isso ¿ conta a jovem, que trabalha há dois anos no estaleiro Cassinú ao lado de uma centena de homens e só mais uma mulher, numa dupla apelidada pelos companheiros de ¿Penélopes Charmosas¿.

Mas a dependência da Petrobras e a falta de regularidade na produção fazem com que o emprego oscile na maré das encomendas. A pequena empresa Almar, que fabrica acessórios metalúrgicos para o setor naval, teve que dispensar 17 funcionários no fim do ano passado e, agora, está readmitindo aos poucos os empregados.

Calotes do passado dificultam crédito

Outro entrave é a dificuldade de crédito. Floriano Pires, da Coppe, explica que os armadores (que encomendam os navios) não querem mais financiar a produção, como era no passado. Os estaleiros, por sua vez, não têm caixa suficiente para dar garantias. E o mercado segurador ainda não oferece alternativas. A licitação da Transpetro, diz o especialista, poderá mostrar o caminho das pedras para esse imbróglio.

¿ A má fama de alguns empresários também prejudica. Como no passado alguns deixaram de honrar seus compromissos, o setor ficou com a credibilidade arranhada ¿ diz o coordenador do setor naval da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, Edson Carlos Rocha da Silva, lembrando que, por causa disso, as garantias exigidas hoje são exageradas.

Presidente do Grupo Sinergy, dono dos estaleiros Mauá-Jurong e Eisa, German Efromovich lamenta a falta de financiamento para o setor:

¿ O Mauá estava sucateado e investimos sem um tostão de ninguém. Hoje, as perspectivas para o setor são boas, porque os estaleiros no mundo estão muito ocupados. Mas precisamos dos órgãos de fomento.

METADE DOS EMPREGADOS TEM MAIS DE 40 ANOS, na página 34