Título: MÁ FORMAÇÃO DE JOVENS ATRASA DESENVOLVIMENTO
Autor: Flávia Oliveira e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 14/05/2006, Economia, p. 38

País desperdiça número recorde de mão-de-obra com até 24 anos de idade por falta de educação de qualidade

RIO e RECIFE. Foi preciso o século XXI bater à porta para o Brasil se dar conta do quanto custa não investir, na hora certa, em educação. No biênio 2005-2006, o país vive o pico de sua população jovem. Esse presente demográfico que é ter 35,2 milhões de habitantes de 15 a 24 anos (a faixa etária da entrada no mercado de trabalho), contudo, está sendo desperdiçado em razão da má formação da potencial mão-de-obra. A escolaridade média dos jovens brasileiros é de 8,1 anos (equivalente apenas ao ensino fundamental), enquanto a também emergente Coréia do Sul já universalizou o nível médio na faixa etária. O descompasso resulta em menor desenvolvimento socioeconômico.

As estatísticas de educação no Brasil melhoraram muito na última década, mas a formação atual dos jovens é incapaz de atender às exigências do mercado. Na recém-divulgada Síntese de Indicadores Sociais, o IBGE dá a dimensão do tempo perdido. Dos adolescentes de 15 a 17 anos, apenas 44% freqüentam o ensino médio. Na população de 18 a 24, um terço cursa universidade, mas 38,8% ainda estão no nível médio e 15,7%, no fundamental.

¿ Sabemos que o ensino médio já não é suficiente para entrar no mercado. Tanto que o desemprego é maior nesse nível de instrução. A situação é difícil para os jovens ¿ diz Cristiane Soares, economista do IBGE.

Com tanto atraso, é fácil entender por que o desemprego e a informalidade são tão altos entre os jovens. Cálculos de Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS-FGV), revelam que 15% dos jovens que entram no mercado de trabalho sem completar o ensino fundamental estão desempregados e 30% têm emprego sem carteira assinada. Para os que ao menos começaram a faculdade, os números são de 16% e 14%, respectivamente.

Neri explica que a desocupação é maior no primeiro caso porque o jovem sem instrução não pode ficar sem trabalhar ¿ em geral, ele vem de famílias pobres. Prefere, portanto, a informalidade ao desemprego. Já o mais instruído tem mais chance de conseguir emprego com carteira assinada. Daí o peso menor da informalidade.

¿ O resumo dessa história é que sem quantidade e qualidade de educação não há nem quantidade nem qualidade de emprego ¿ diz Neri.

A baixa qualidade da força de trabalho prejudica as famílias, as empresas e o país como um todo. O economista Fernando Veloso, professor do Ibmec, informa que cada ano adicional de escolaridade nos ensinos médio ou superior eleva a renda per capita dos países em meio ponto percentual anual. Como a população cresce cerca de 1,3% anuais, diz, cada ano de estudo a mais nesse nível de ensino elevaria a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas numa economia) em 1,8 ponto percentual:

¿ Ou seja, se o PIB do Brasil estiver crescendo 2% ao ano e aumentar sua escolaridade em um ano, ele vai passar a crescer perto de 3,8% ao ano.

Segundo Veloso, o PIB per capita brasileiro em 2000 equivalia a 52% do da Coréia (pelo critério de paridade do poder de compra, que anula diferenças de custo de vida). Mas se o país tivesse a mesma escolaridade média do tigre asiático (10,9 anos), a renda nacional seria 74% da coreana. E computando também os investimentos que a mão-de-obra mais bem treinada traz, a correlação passaria a 94%. Hoje, segundo o IBGE, os brasileiros de 15 anos ou mais têm em média 6,8 anos de estudo.

¿ A escolaridade dos jovens (8,1 anos, segundo o IBGE) é mais alta que a média da população, o que é um sinal de melhora. Mas o problema é que o jovem está muito atrasado e é difícil resolver isso de uma hora para a outra ¿ diz Aloísio Pessoa Araújo, vice-diretor da EPGE-FGV e pesquisador do Impa.

Único economista brasileiro a integrar a Academia Nacional de Ciências dos EUA, Araújo diz que a falta de qualidade na educação é o grande nó brasileiro:

¿ A qualidade afeta mais o desempenho econômico que a quantidade. É nesse ponto que o Brasil está muito ruim.

A deficiência é tão marcante que as empresas estão partindo para soluções próprias. Foi o caso da Canonne, multinacional francesa que fabrica as pastilhas Valda. Segundo a gerente de Recursos Humanos, Ana Lucia Delgado, como o crescente nível de automação passou a exigir uma mão-de-obra mais qualificada, em 2002 a empresa iniciou, em parceria com o Sesi, um projeto educacional, que até o fim deste ano terá garantido o ensino médio a todos os 102 funcionários.

¿ A primeira turma foi de alfabetização. Agora, restam apenas 18 funcionários cursando o ensino médio. Cumprimos nosso papel social com nossos empregados, mas não contrataremos mais ninguém sem ensino médio completo ¿ diz Ana Lucia, confirmando a dificuldade que os jovens de hoje enfrentarão no mercado.

Auxiliar de embalagem e fabricação, Maria Elenice dos Santos Rondon, de 40 anos, é uma das alunas da Canonne. Três anos atrás, foi convocada a retomar os estudos que interrompera aos 14 anos ainda na quarta série, para iniciar a vida profissional como babá. Já o colega José Carlos da Cruz, dez anos mais novo, largou a escola no primeiro ano do ensino médio para se dedicar ao trabalho como agricultor.

¿ Tinha esquecido tudo, nem sabia fazer conta de dividir. No começo tive vergonha. Hoje, acho que foi muito gratificante. Estou terminando o ensino médio e já posso ajudar minhas filhas (de 15 e 7 anos) a estudar ¿ emociona-se Elenice.

Se na média nacional a formação dos jovens é deficiente, o que dizer do Nordeste? Na região, somente 16% dos jovens de 18 a 24 anos estão na faculdade e 29% dos que têm de 15 a 17 freqüentam o ensino médio. É sinal de que as desigualdades regionais no país não vão diminuir tão cedo.

Recife está atacando o problema com o Projovem, parceria da prefeitura com o governo federal que está levando 10.800 jovens de 18 a 24 anos de volta às salas de aula. Eles não concluíram o ensino fundamental e planejam terminar o ciclo médio. A maioria abandonou os estudos para trabalhar, caso de Maria Rosely Ferreira dos Santos, de 24 anos:

¿ A gente se ilude e vai trabalhar, pensando que a vida é aquilo. Só depois descobre o tempo que está perdendo.