Título: Insegurança energética
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 15/05/2006, Economia, p. 19

Fragilidades políticas levam países a corrida por novas fontes e fornecedores

Acrise entre Brasil e Bolívia desencadeada pela nacionalização do gás boliviano é apenas um exemplo local de um problema que ganha contornos muito mais dramáticos em outras regiões do mundo e pode afetar a economia global: a falta de segurança no abastecimento de energia. A disparada nos preços do petróleo e a instabilidade política em países que detêm as maiores reservas do produto estão levando as grandes potências a uma corrida em busca de novas fontes de energia e, também, de outros fornecedores para os tradicionais petróleo e gás ¿ combustíveis que, ainda hoje, respondem por 60% da matriz energética mundial.

Com a forte expansão de gigantes como China e Índia, a demanda por petróleo cresceu a passos largos. As importações chinesas crescem a um ritmo de 8% ao ano ¿ bem acima da média mundial, de 2% anuais. Por outro lado, é limitada a capacidade dos países produtores de ampliarem sua oferta. Estima-se que, hoje, haja um excedente disponível de apenas 1,5 milhão de barris de petróleo por dia, num mundo que consome 83 milhões de barris diários. Assim, um ataque de militantes na Nigéria ou uma crise sucessória no Kuwait (país que sequer figura entre os dez maiores produtores mundiais) já é suficiente para levar nervosismo aos mercados.

Com o petróleo esbarrando nos US$75 por barril, o cenário hoje é completamente diferente de apenas alguns anos atrás. Em 2001, o preço era de apenas US$20 ¿ menos de um terço do atual.

¿ Em todos os países do mundo, tem crescido a preocupação com o abastecimento de energia ¿ resume Hélder Queiroz, do grupo de Economia da Energia da UFRJ.

¿ O mundo depende do petróleo. E as principais fontes estão em regiões politicamente muito instáveis ¿ completa Sebastião do Rego Barros, presidente do conselho do Ibre/FGV.

Bush: EUA estão viciados em petróleo

Queiroz, da UFRJ, lembra que, nos Estados Unidos, após os apagões que ocorreram na Califórnia, cresceu a ingerência do governo federal nos assuntos de energia da esfera estadual. Washington tem demonstrado também cada vez mais interesse pelo etanol brasileiro. O presidente George W. Bush disse, em fevereiro, que o país estava ¿viciado em petróleo¿ e destacou a necessidade de se buscar fontes alternativas de energia. Maior consumidor e importador mundial de petróleo, o americano sente essas crises no bolso: pesquisa recente mostra que apenas 13% da população aprovam a maneira como o governo lida com os preços da gasolina.

Na Europa, houve grandes blecautes em Londres e na Itália nos últimos anos. A França está relançando projetos de construção de centrais nucleares e o assunto também está em pauta na Alemanha, país onde 12% da eletricidade vêm de energia eólica e solar, diz o professor da UFRJ. Após uma interrupção temporária no fornecimento de gás da Rússia, em janeiro, a União Européia (UE) já estuda importar gás líquido da África. O bloco também tem metas para aumentar sua interconexão nos gasodutos e nas redes elétricas e, assim, obter mais estabilidade de suprimento.

Crescem pressões por tecnologia limpa

A China mantém conversas com a Rússia para a construção de uma rede de dutos que facilitaria a importação do petróleo e do gás russos. E os chineses têm feito uma verdadeira investida na África: negociam um acordo de US$4 bilhões para explorar campos na Nigéria e têm projetos semelhantes no Sudão e em Angola. Até mesmo o uso do carvão ¿ através de uma tecnologia moderna, mais limpa ¿ está em discussão na Europa e nos EUA.

Queiroz, da UFRJ, explica que além da alta no preço do petróleo e das preocupações geopolíticas, as exigências ambientais têm levado a uma busca por maior diversificação nas fontes de combustível. A energia nuclear, que emite menos gases do efeito estufa, volta a ser cogitada como opção no ano em que se completa duas décadas da tragédia de Chernobyl. Até mesmo no Brasil a construção da usina Angra 3 está em debate.

Mas, no quesito energia, o país é privilegiado, diz o professor da UFRJ: dispõe de recursos hídricos, tem petróleo e gás e domina a tecnologia do álcool.

¿ Temos uma dotação de recursos energéticos espetacular. O problema aqui é de escolha e gerenciamento. Falta estabelecer diretrizes de política energética.

A estratégia das grandes potências de diversificar suas fontes e fornecedores de energia levará tempo para ser concluída. Pelo menos nos próximos dez anos, a dependência do petróleo e gás continuará grande na economia mundial, diz Rego Barros, da FGV.