Título: Dias de Bagdá
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 16/05/2006, O GLOBO, p. 2

Não faltou sequer o toque de recolher, adotado informalmente nas regiões mais atingidas pelo levante terrorista do crime organizado em São Paulo e outros estados. Não há outro nome para os 200 ataques que já causaram mais de 80 mortes nos últimos três dias. Não há outra definição, senão mesquinharia, para qualquer exploração eleitoral desta ameaça ao próprio estado de direito democrático.

Ademais, nenhum partido ou grupo político tem algo a ganhar com a demonstração de força dessa organização terrorista. Numa área em que as responsabilidades são difusas como a de segurança, a tendência da população é a de repartir a responsabilidade entre todas as esferas de governo.

Estes terríveis dias de Bagdá pegam no candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, que governou São Paulo nos últimos 12 anos e se jactava de ter conseguido dominar a facção. Viu-se que, pelo contrário, a organização expandiu sua influência dentro e fora dos presídios. Alckmin podia ter evitado declarações exaltadas, como se não tivesse tido nada a ver com o desenvolvimento da situação paulista. Mas pega também no presidente Lula, que tendo prometido construir cinco presídios federais para o isolamento seletivo de comandantes do crime organizado, só agora entregará o primeiro. Será destinado exatamente a segregar os comandantes das organizações criminosas. Pega no governo que reduziu em 11%, no ano passado, as transferências de recursos federais para a área de segurança.

Sabe o presidente Lula que a conta será repartida entre todos e por isso oferece a ajuda federal e insiste nela, através de seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Socorro só na hora da tragédia nada resolve mas a indiferença seria inaceitável, até porque o governo federal tem mesmo como ajudar, tanto por meio do emprego do Exército como da Força Nacional de Segurança, criada exatamente para desenvolver ações cooperativas com os estados.

Já o atual governador, Cláudio Lembo, erra e permanece no erro quando recusa a ajuda, exibindo uma altivez aparentemente preocupada em provar que o estado é capaz de enfrentar sozinho a situação. No ponto a que chegamos, não há lugar para tais veleidades. Apesar de suas garantias de que a situação estava sob controle, o número de ataques e de mortos continuou aumentando nas últimas horas.

Como dizia ontem o juiz e ex-secretário nacional anti-drogas Walter Maierovitch, o que se faz necessário agora é uma ação firme do poder público para ¿baixar a crista¿ da quadrilha, que agora desafia abertamente o Estado. E para isso, seria necessária a soma de todos os recursos, de inteligência e de repressão, federais ou estaduais.

Não é de hoje que os interesses políticos dificultam a convergência de esforços. Já foi assim no governo passado. Muito longe ainda da eleição presidencial, o governo de Rosinha Garotinho inviabilizou qualquer cooperação federal no combate ao crime organizado no Rio. Imagine-se agora, faltando cinco meses para a eleição presidencial, e com o problema estourando em São Paulo, arena central da disputa política entre PT e PSDB! Depois deste momento Bagdá, mais sangrento do que o fim de semana no Iraque, só nos resta perguntar aos governantes, a todos eles, o que mais esperam que aconteça.