Título: SÃO PAULO ACUADO PELO CRIME
Autor: Flávio Freire e Chico de Gols
Fonte: O Globo, 16/05/2006, O País, p. 3

Estado sofre 184 atentados, com 81 mortos, 49 feridos, 85 ônibus queimados e 13 agências bancárias incendiadas

Os mais de 40 milhões de moradores do Estado de São Paulo, o mais populoso e rico do país, amanheceram ontem reféns do terror que começou na sexta-feira à noite, quando a polícia transferiu, entre outros presos, oito chefes da maior facção criminosa para uma penitenciária de segurança máxima. No quarto dia de atentados, os criminosos reduziram os ataques a bases da polícia e puseram fim às rebeliões nos presídios, mas transferiram os ataques para o transporte público, incendiando 85 ônibus e metralhando uma estação do metrô. A série de 184 atentados atingiu também 13 agências bancárias. O medo se alastrou, provocando o fechamento de escolas, universidades, 22 shoppings e lojas de rua.

Comerciantes da capital, de Campinas, de Ribeirão Preto e de Santos começaram a fechar as portas por volta das 15h. Bancos e empresas dispensaram os funcionários mais cedo. O sindicato das universidades privadas recomendou que as aulas fossem suspensas. Cerca de 5,5 milhões de pessoas ficam sem transporte. As empresas de ônibus, temendo novos ataques, retiraram os coletivos das ruas. Com a antecipação da hora do rush, o congestionamento na capital foi recorde ¿ às 17h, a Companhia de Engenharia de Tráfego registrava 212 quilômetros de lentidão. Órgãos da Justiça também suspenderam audiências e interrogatórios.

Durante o dia, o governo paulista procurou acalmar a população.

¿ A situação está sob controle ¿ insistia, às 17h, o diretor do Departamento de Investigações contra o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Eliseu Eclair Teixeira Borges, adotava tom semelhante.

¿ Hoje (ontem) foi o dia mais tranqüilo ¿ disse ele, atribuindo a tensão nas ruas ao que chamou de "boca-a-boca eletrônico". Para o comandante, o pânico se disseminou pela internet e por celulares.

¿ Estamos em guerra contra os criminosos. Vamos ter mais baixas, mas não vamos recuar ¿ disse o coronel.

O governador Claudio Lembo (PFL) se reuniu, no início da noite, com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que voltou a oferecer ajuda federal. Lembo agradeceu, mas mais uma vez recusou.

¿ Estamos colocando à disposição a Polícia Federal e a Força Nacional ¿ disse Bastos.

¿ O auxílio do governo federal é bem recebido mas desnecessário ¿ disse Lembo.

Até o fim da tarde, eram 81 mortos no confronto entre policiais e criminosos. Do total de mortos, 38 são bandidos, segundo a polícia. Desde o início dos atentados, foram assassinados 22 policiais militares, seis policiais civis, três guardas metropolitanos, oito agentes penitenciários e quatro cidadãos comuns. Desde sexta, 49 pessoas foram feridas e 91, presas. Algumas suspeitas de espalhar o pânico. A Secretaria de Segurança Pública, no entanto, atribuiu o medo da população a uma "onda de boataria".

¿ Os comerciantes fecharam as portas com medo, e não porque alguém mandou. É normal que a população fique nervosa, mas não há motivos para desespero ¿ disse o diretor do Deic.

De madrugada, um ônibus era queimado a cada 15 minutos em diferentes bairros da cidade. Foram registrados ataques contra ônibus também em Santos, São Vicente e Praia Grande, na Baixada Santista. Perto do meio-dia, dezenas de veículos já haviam sido incendiados, inclusive uma van escolar. Os bandidos retiraram os passageiros antes de atear fogo aos veículos.

Ao mesmo tempo, o conflito entre policiais e criminosos aumentava a tensão na madrugada. Bares e restaurante fecharam as portas e dispensaram funcionários. Com os ônibus sendo recolhidos às garagens, a prefeitura cancelou o rodízio de veículos. No fim da tarde, o trânsito era um caos. As filas em pontos de ônibus aumentavam progressivamente e assustavam a população, que acompanhava o noticiário por TVs expostas nas vitrines de lojas. O crescente número de mortos deixava moradores atônitos. De manhã, dez homens suspeitos de articular as ações foram assassinados.

Perto da hora do almoço, um carro com quatro policiais da Divisão Anti-Seqüestro foi surpreendido por dois homens num Vectra, que fecharam e atiraram no veículo, ferindo um dos policiais. O crime aconteceu em Higienópolis, bairro nobre da capital.

Com o passar das horas, a tensão foi se estendendo para outras cidades. Até postos de saúde tiveram serviço interrompido em São Vicente. Um pronto-socorro teria parado de atender os moradores por ordem do tráfico. Postos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) na capital também foram alvos do crime organizado.

No Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, a segurança foi reforçada com mais de dez carros da Polícia Civil.

* Especial para O GLOBO