Título: ALÉM DO MEDO, MAIS DE CINCO MILHÕES FICAM SEM TRANSPORTE
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 16/05/2006, O País, p. 4

Segundo empresas e a polícia, 85 ônibus foram incendiados por bandidos

SÃO PAULO. Oitenta e cinco ônibus foram destruídos, até as 20h de ontem, em todo o estado de São Paulo. Na capital, foram queimados 56 ônibus. Para piorar a situação, seis empresas de ônibus cancelaram os serviços, deixando 5,5 milhões de passageiros sem transporte na cidade. O resultado foi que algumas estações rodoviárias ficaram absolutamente vazias em pleno horário comercial e os passageiros superlotaram as estações do metrô e fizeram gigantescas filas para embarcar em vans.

Os bandidos tomavam a condução como passageiros comuns e atacava os ônibus sem ferir o motorista nem os passageiros. De madrugada, um dos guichês da estação Arthur Alvim do metrô foi alvejada. Ninguém ficou ferido. Cerca de 900 homens fazem a segurança dos 2,5 milhões de usuários do metrô todos os dias.

Ataques em locais combinados

Na maior parte das vezes, o ataque ocorria quando o ônibus chegava próximo ao local onde a quadrilha estava escondida ou morava. Em local previamente combinado, os falsos passageiros, armados, mandavam o motorista parar e todos descerem. Um grupo com gasolina e mais armas, colocava fogo e deixava o ônibus completamente destruído. Fios, motores, pneus e rodas, o que sobrava dos ônibus depois de horas de incêndio, era retirado por moradores e, em sua maioria, por garotos da rua em busca de uns trocados.

Para minimizar o problema, a prefeitura cancelou o rodízio de veículos e no fim da tarde o trânsito era caótico, com mais de 200 km de congestionamentos. Quem tinha carro próprio, dava carona aos amigos.

¿ Trabalho em Higienópolis, passei no centro para pegar amigos ¿ disse o auxiliar de escritório Carlos Alberto Bondona.

A facção também atacou garagens de empresas de ônibus com bombas e tiros. Os alvos foram as da zona Sul, onde ficam as maiores favelas da cidade, como o Jardim Ângela e Grajaú. A região ficou sem ônibus. As sete empresas da região recolheram os carros.

A principal empresa atingida foi a Campo Belo, que tem 720 veículos. Os donos e os gerentes das garagens não quiseram falar. Eles chamaram os batedores de moto da PM para ajudar a recolher os carros, mas o trabalho é lento, porque há carros sem rodas, o que atrapalha o guincho.

O sindicato que reúne as empresas na capital divulgou nota pedindo segurança às autoridades e reclamando que o governo municipal não atendeu aos pedidos. Segundo o sindicato, os usuários e funcionários estão em pânico.

¿Foi solicitado desde domingo à Secretaria Municipal de Transportes e SPTrans que adotem as medidas necessárias junto às autoridades policiais, com o intuito de ser reforçado o policiamento nas garagens das empresas, bem como a eventual utilização de comboios para acompanhamento dos ônibus nas linhas e itinerários que a SMT julgar estratégicos, não tendo até o momento sido efetivado o reforço¿, diz a nota.

O sindicato pede garantia de integridade física aos passageiros e aos funcionários e a preservação do patrimônio. Ainda não foi calculado o prejuízo, mas os empresários estão preocupados porque não há seguro para atos de vandalismo.

O comandante da PM em São Paulo, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, informou ontem que está em contato com as empresas para auxiliar na volta dos ônibus às ruas. O coronel não quis dar detalhes da operação e disse que algumas empresas não estão aderindo à proposta.

A avaliação de policiais do serviço reservado da polícia é de que grupos de outras cidades, que não têm ligação com a quadrilha, estão aproveitando a crise para ganhar visibilidade.

¿ Em Paulínia, não tem a facção, mas botaram fogo em dois ônibus hoje (ontem) ¿ disse um dos policiais civis.

Os passageiros esperaram nos pontos até que aparecesse um ônibus, cheio, ou uma lotação. Os táxis também eram escassos. Desde domingo, a frota de táxi está reduzida. O medo dos motoristas é grande, já que o táxi é alvo fácil de bandidos. Os carros são usados em fugas e, agora, em ataques.

O telefone celular era o principal instrumento dos passageiros nos pontos, preocupados em dar satisfação à família, depois de horas de atraso. Como as empresas fecharam mais cedo e não houve rodízio de carros, os congestionamentos começaram às 16h. O trânsito lento ultrapassou os 200 quilômetros de extensão.