Título: É hora de ação
Autor: RUBENS NAVES
Fonte: O Globo, 16/05/2006, Opiniao, p. 7

Nas últimas semanas, a sociedade brasileira tem sofrido golpes certeiros de diversos meios de comunicação, em excelentes reportagens que expõem variações de uma realidade conhecida há décadas: a exploração das nossas crianças e adolescentes. Seja sexual ou pelo tráfico, o abuso da infância e da adolescência não constitui uma manchete inédita; talvez, sim, as formas pelas quais ocorrem hoje, com crianças cada vez mais novas vendendo seus corpos a R$1,99, em troca de biscoito e sorvete; ou de meninos com armas pesadas que sonham em ser bandidos ao ¿crescerem¿.

Estes tristes panoramas traçados não acontecem somente no eixo Rio-São Paulo, mas em todos os estados do país. E o mais impressionante é que o Brasil tolera essa situação há anos e as iniciativas para mudar o presente e o futuro desses jovens são pontuais e não globais. Reverter esse quadro não é fácil. No entanto, a sociedade não pode se calar agora e deixar de cobrar mudança.

A Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual Infantil entregou ao governo em 2003 um relatório identificando 17 organizações criminosas em ação no país. Três anos depois, os aliciadores de crianças continuam agindo. Para chegar a esses crimes bárbaros foram percorridos 22 estados e colhidos 285 depoimentos, um trabalho que não pode ficar sem resultados.

Para transformar essa realidade são necessárias ações repressivas eficientes no combate à exploração sexual. Entre elas estão modificações no Código Penal propostas a partir da CPMI, como o aumento da pena de reclusão nos casos de estupro e corrupção de menores, entre outros. São medidas emergenciais: três das cinco proposições aguardam apreciação da Câmara dos Deputados e outras duas começaram a tramitar na Casa e, depois de aprovadas, serão analisadas pelo Senado.

A exploração sexual infantil é um fenômeno complexo que não está somente ligado à pobreza e à miséria, apesar de serem fortes fatores de motivação. Mas está relacionado também a questões culturais como o machismo, o preconceito racial e o poder do adulto sobre a criança. Assegurar os direitos da criança e do adolescente deve ser prioridade absoluta da família, comunidade, sociedade em geral e do poder público, como promulgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) há 15 anos.

Somente com a mudança de cultura da sociedade essa realidade poderá mudar, pois é histórica a relação de poder e submissão imposta a crianças e adolescentes ¿ o lado mais vulnerável.

Além de escolas de qualidade, serviços públicos de saúde eficientes, emprego e perspectivas, esses meninos e meninas precisam de uma rede de proteção que assegure seus direitos e que lute quando houver qualquer tipo de violação. A proteção passa, necessariamente, pelos conselhos de direitos e tutelares instituídos pelo ECA. Os conselhos são, portanto, um instrumento nas mãos dos cidadãos para zelar, promover, orientar, encaminhar e tomar providências em situações de risco pessoal e social de crianças e adolescentes. É responsabilidade do Conselho Tutelar, por exemplo, receber as denúncias de abusos e de exploração.

No entanto, os municípios brasileiros ainda não possuem conselhos fortes e estruturados. Para tentar reverter esta situação, a Fundação Abrinq, por meio do Programa Prefeito Amigo da Criança, compromete administradores públicos. Os prefeitos que aderem ao programa ¿ foram 2.263 nesta edição (2005/2008) ¿ são obrigados a criar, se não existir, e a fortalecer o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar.

O fortalecimento dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Municipais; a punição mais rigorosa e efetiva daqueles que abusam e exploram crianças e adolescentes; e a transformação cultural da sociedade ¿ motivada principalmente por campanhas constantes ¿ são instrumentos valiosos no combate à exploração infantil. Mas não é só. O Brasil precisa desenvolver uma política específica para apoiar e proteger as crianças e adolescentes em situação de risco.

RUBENS NAVES é advogado e diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.