Título: COMPARSA DE JORGINA GERENCIA FORTUNA ROUBADA
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 16/05/2006, O País, p. 17

Avelino Bezerra, fraudador do INSS, livre, arremata imóvel que comprara com dinheiro do golpe e perdera para a Justiça

Uma briga de vizinhos revelou o destino do dinheiro arrecadado com o maior golpe da história contra a Previdência Social. Até hoje, ele continua sendo movimentado por um dos principais integrantes da quadrilha da fraudadora Jorgina de Freitas Fernandes. Condenado em 1992 a 12 anos e seis meses de prisão, o advogado Armando Avelino Bezerra, que só passou quatro anos atrás das grades, gerencia uma pequena fortuna depositada num paraíso fiscal do Caribe.

Treze anos depois do julgamento, Avelino é agora acusado de montar uma rede de empresas de fachada e laranjas para repatriar o dinheiro desviado do INSS e escondido nas Ilhas Virgens britânicas. Ele só foi descoberto por uma investigação desencadeada pelos vizinhos, em Angra dos Reis, nos quais tentara também aplicar um golpe, e ampliada por um inquérito policial.

Imóvel recomprado com dinheiro trazido de paraísos

Em quase dois anos de investigação, na operação ¿Branca de Neve¿, a Polícia Federal, a Procuradoria da República e a força-tarefa da Previdência Social constataram que duas empresas brasileiras, geridas por laranjas de Avelino, receberam grandes remessas de dólares provenientes de offshores ligadas ao fraudador nas Ilhas Virgens. Com esses recursos, Avelino recomprou, por intermédio de uma empresa imobiliária, o mesmo apartamento que havia perdido para a Justiça, em leilão há cinco anos.

Avelino, advogado credenciado pelo INSS nos anos 80 para atuar em processos na Baixada Fluminense, foi apontado como elo entre a quadrilha e o INSS. Na sentença, é identificado como ¿o apanhador¿, por atuar como gerente financeiro da quadrilha, responsável pela arrecadação, distribuição e remessa do dinheiro desviado para o exterior.

Investigação por problemas num condomínio em Angra

O novo golpe só foi descoberto porque o fraudador construiu, com dinheiro da fraude, um condomínio em Angra dos Reis e vendeu casas para um auditor fiscal e um advogado, que levaram um calote de Avelino ¿ a área coletiva, como quadras e piscina, não foi entregue. Em conflito com o fraudador, eles começaram a investigá-lo.

O seqüestro dos imóveis de Avelino foi decretado na ação penal 04/91. No dia 9 de março de 2001, foi levado à leilão o apartamento 301 do Edifício Valente, na Rua Aires da Mata Machado 50, Recreio dos Bandeirantes. No mesmo dia, também foram leiloados oito apartamentos adquiridos pelo fraudador em Fortaleza e duas salas no Centro do Rio de Janeiro.

O imóvel do Recreio foi arrematado pela Imobiliária Orial Ltda, por R$235 mil. Na época, eram sócios da Orial Ricardo Carvalho Pereira, Esperidião Fernandes Campos e Josete Gomes Martins. As investigações conseguiram fazer a ligação entre a Orial e Avelino.

Ao comprar a casa no condomínio Praia do Moleque, em Angra, o advogado constatou as irregularidades. A mesma Orial vendera as 38 casas do condomínio. Havia sólida amizade entre Ricardo Pereira e Avelino. Ricardo freqüentava assiduamente a casa de Armando no Moleque e se dizia dono da Orial.

Deste então, os dois vizinhos começaram a juntar documentos e outros dados sobre Ricardo. Decidiram pesquisar Avelino porque se convenceram de que ele tinha poder no condomínio. Foi quando descobriram que Avelino era fraudador do bando de Jorgina de Freitas. Na lista telefônica do condomínio, apareciam números de dois imóveis em nome de Michelle Augusto do Nascimento Bezerra e Leonardo Tavares Avelino Bezerra, filhos de Avelino.

No resultado mais importante da pesquisa, elas extraíram de cartório um documento comprovando que a Orial, representada pelo sócio Ricardo, outorgou procuração para Cícero Nogueira de Souza vender a terceiros a totalidade de suas cotas na empresa Coronado Empreendimentos e Participações Ltda. Era o elo entre o fraudador e o paraíso fiscal onde escondera o dinheiro.

Em sete meses, remessas de US$2,2 milhões

A Coronado tinha como sócios Ricardo Pereira e Villars Holdings Inc., com sede nas Ilhas Virgens ¿ no mesmo contrato, Michele Bezerra aparecia como testemunha. As investigações da PF e do Ministério Público mostraram que a Villars injetou recursos na Coronado ¿ só em sete remessas, entre março de 1998 e abril de 1999, a Villars enviou US$2,2 milhões ¿ e esta, na Orial, que em cinco anos movimentou R$120 milhões em recursos de origem obscura. Como não conseguiu comprovar esta origem, a Orial foi multada pela Receita Federal em R$45 milhões, em movimentações registradas somente nos exercícios de 1999 e 2000. Seu livro-caixa, por exemplo, estava em branco.

Havia, no Moleque, uma casa registrada em nome da Coronado. Armando falava no condomínio que a casa era dele. Michele, nas reuniões, apresentava procuração em nome da Coronado. A Orial funciona no mesmo prédio da Coronado.

A Coronado, segundo apuraram os vizinhos, fora fundada após Armando sair da prisão, provavelmente em 1996 ou 1997. Na época do escândalo, as investigações mostraram que os fraudadores enviaram dinheiro para as Ilhas Virgens. Com o aprofundamento das investigações, foi detectada outra operação semelhante de internação de recursos das Ilhas Virgens, desta vez remetidos pela offshore Pepper Mill, cujo endereço é a mesma caixa postal da Villars, beneficiando a empresa brasileira Feroro, em 2001.

Os envolvidos serão denunciados por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica de contratos sociais e advocacia administrativa.