Título: Bolívia ameaça fundos de pensão
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Fonte: O Globo, 16/05/2006, Economia, p. 25

Se grupos não transferirem ações de petrolíferas para estatal em 3 dias, haverá intervenção

LA PAZ e PARIS

Ogoverno da Bolívia ameaçou ontem intervir em dois fundos de pensão privados, administrados por grupos financeiros da Suíça e da Espanha, caso não transfiram para a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolivia (YPFB) as ações que detêm em três petrolíferas. O vice-presidente do país, Alvaro García Linera, afirmou que os fundos de pensão Futuro da Bolivia, do grupo Zurich Financial Services, e Previsión Bolivia, do espanhol BBVA, têm três dias para fazer a transferência, sem custos, tal como estabeleceu a nacionalização de hidrocarbonetos decretada no início deste mês.

¿ Haverá intervenção nos fundos de pensão se não cumprirem o prazo de três dias, o decreto é claro ¿ disse García ao apresentar o decreto complementar da nacionalização.

Segundo o decreto, os administradores dos fundos de pensão devem transferir as ações que detêm nas petrolíferas que o governo decidiu expropriar parcialmente: a operadora de dutos Transredes, controlada pela anglo-holandesa Shell, e as produtoras de petróleo e gás Chaco (da americana BP Amoco) e Andina (da espanhola Repsol-YPF). Com a transferência, a YPFB passará a controlar entre 34% e 48% dessas três petrolíferas.

García: `cansado das fanfarronices¿

García, que lembrou que essa transferência está respaldada pelo referendo sobre os hidrocarbonetos realizado em 2004, disse que o prazo de três dias foi fixado logo após o fracasso das negociações com as administradoras dos fundos de pensão. Semana passada, estas afirmaram que a expropriação era ilegal.

¿ Este governo dialoga, aceita sugestões, mas também se cansa do diálogo infrutífero, das fanfarronices ¿ disse García.

Ele informou que as novas diretorias de Transredes, Chaco e Andina, cuja maioria será de representantes da YPFB, assumirão suas funções no mais tardar no próximo fim de semana.

¿ Com isso, a YPFB terá respaldo econômico para defender outros recursos ¿ afirmou o vice-presidente. ¿ Ninguém vai parar a nacionalização dos hidrocarbonetos, nenhuma força externa, muito menos uma força interna conservadora.

Transredes, Chaco e Andina foram criadas na privatização do setor, em 1996. As empresas estrangeiras ficaram com 50% do capital mais uma ação. O restante ficou nas mãos das administradoras dos fundos de pensão e dos trabalhadores das petrolíferas. O decreto de ontem não afetou as refinarias da Petrobras na Bolívia ¿ que também fazem parte do decreto de nacionalização ¿ que não têm participação das administradoras dos fundos. As empresas de telecomunicações, ferrovias, aviação e eletricidade também não foram afetadas.

A nacionalização decretada pelo presidente Evo Morales acarretou a expropriação parcial das empresas estrangeiras do setor de combustíveis na Bolívia. Pelo decreto, a estatal YPFB ficará com o controle e toda a produção de petróleo e gás.

Desde 1º de maio, a Petrobras e o governo brasileiro vêm tentando negociar. O governo espanhol também está conversando com Morales, que está na Europa, para resolver a situação da Repsol.

Já o presidente da petrolífera francesa Total, Thierry Desmarest, afirmou ontem, em entrevista ao jornal ¿Les Echos¿, que não aceitará condições para permanecer na Bolívia. Foi seu primeiro comentário após a nacionalização dos hidrocarbonetos. A Total tem 15% nos campos de San Antonio e San Alberto, explorados pela Petrobras.

Presidente da Total recusa condições

¿A Total foi àquele país e gerou riqueza por meio de descobertas de gás relativamente importantes, e considera que ainda há muito a investir para que essas reservas entrem em produção¿, disse Desmarest ao ¿Les Echos¿, ressaltando que esses investimentos só serão feitos se não for imposto qualquer tipo de condição.

Desmarest acrescentou que a empresa espera que a situação fique mais clara na Venezuela, ¿onde as regras do jogo mudaram várias vezes, de forma bastante brutal¿. Ele disse esperar que a razão prevaleça nos dois países.

Morales, que passou por Paris ontem a caminho de Estrasburgo, evitou se encontrar com representantes da Total, apesar de a empresa ter-se declarado disposta a conversar.

Em mais uma reviravolta para petrolíferas estrangeiras na América Latina, o Equador informou ontem que vai revogar seu contrato com a petrolífera americana Occidental Petroleum e se apropriar de seus bens. A companhia vinha sendo alvo de protestos de grupos indígenas, que também querem se beneficiar mais dos lucros do petróleo.