Título: PROMESSA DE UMA NOVA ERA
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Fonte: O Globo, 16/05/2006, O Mundo, p. 30

WASHINGTON. Depois de 25 anos de antagonismo, os EUA e a Líbia dizem ter ingressado numa nova era. Coroando uma recente reaproximação entre os dois países, Washington anunciou ontem a reabertura de sua embaixada em Trípoli em 45 dias, retomando sem restrições as relações diplomáticas com uma nação que até pouco tempo acusava de patrocinar o terrorismo.

As relações entre Washington e Trípoli melhoraram substancialmente depois de a Líbia anunciar, em dezembro de 2003, que desistira de seu programa de armas proibidas. No ano seguinte, os EUA suspenderam um amplo embargo comercial imposto à produção de petróleo do país do norte da África desde 1986.

A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, aproveitou o anúncio de ontem para enviar um recado de incentivo a dois países considerados patrocinadores do terrorismo ¿ Irã e Coréia do Norte ¿ para que sigam o exemplo da Líbia:

¿ Assim como 2003 marcou uma virada para o povo líbio, 2006 poderia marcar viradas para os povos do Irã e da Coréia do Norte.

Em comunicado, Condoleezza disse: ¿Estamos tomando essas medidas em reconhecimento ao contínuo compromisso da Líbia de renunciar ao terror e à excelente colaboração que tem dado aos EUA e a outros membros da comunidade internacional em resposta a ameaças globais comuns enfrentadas pelo mundo civilizado desde o 11 de Setembro.¿

O Ministério do Exterior líbio considerou a decisão ¿um passo significativo¿ para as relações entre os dois países. Em Washington, o chefe do Escritório de Ligação Líbio, Ali Aujali, declarou:

¿ Era o que há muito tempo esperávamos que acontecesse, e está acontecendo hoje. Estou muito feliz por ouvir essa notícia.

Mas americanos parentes de vítimas do atentado a bomba num avião da Pan Am em 1988 ¿ que matou 270 pessoas em Lockerbie, na Escócia ¿ condenaram a decisão da Casa Branca.

¿ Isso é absolutamente terrível. Este é um governo que tem feito tudo errado. É uma mudança perigosa e agora eles recompensaram os terroristas. O único motivo pelo qual estamos fazendo isso é petróleo ¿ disse Susan Cohen, cuja filha morreu aos 20 anos no atentado.

Só em 1999 a Líbia aceitou extraditar dois agentes líbios responsabilizados pelo atentado para julgamento na Holanda, o que levou a ONU a suspender sanções ao país. Em 2004, depois de aceitar a responsabilidade por outros atentados e concordar em indenizar parentes de vítimas, suas relações com os EUA e outros países começaram a melhorar.

Empresas de petróleo americanas têm defendido melhores relações com a Líbia, de olho na produção de petróleo e gás no país. Mas a reaproximação levanta questões sobre direitos humanos num país que vive sob uma ditadura militar desde 1969, quando o então coronel Kadafi assumiu o poder depois de dar um golpe de Estado, derrubando a monarquia e nacionalizando o setor de petróleo.

Em 1979, uma multidão incendiou a embaixada americana na Líbia, o que levou a Casa Branca a fechá-la no ano seguinte, cortando as relações com o país. Em 1986, forças americanas bombardearam Trípoli e Benghazi, alegando que o objetivo era destruir campos de treinamento terrorista. Pelo menos 15 pessoas morreram, entre elas uma filha adotiva de Kadafi ainda bebê.