Título: Culpas, cálculos e remédios
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/05/2006, O GLOBO, p. 2

Por mais que soem abjetas ou ultrajantes, pois ainda deve haver mortos a sepultar, as avaliações sobre os efeitos eleitorais da carnificina paulista estavam na ordem do dia ontem. O baú das receitas legislativas milagrosas também foi aberto. E a nenhuma conclusão chegavam os que discutiram tão acaloradamente a conveniência ou não da negociação com a organização criminosa ¿ não assumida pelo governo paulista ¿ que pôs fim à carnificina paulista.

PFL e PSDB, admitindo que o episódio pode ferir gravemente o candidato presidencial Geraldo Alckmin, buscaram estratégias para repartir o prejuízo com o governo federal. Acham que os governistas arranjaram uma boa munição, e que embora estejam agora mantendo o recato político, vão usá-la na campanha.

Políticos têm sempre a presunção de saber o que o povo pensará. A respeito da (in) segurança pública, há muito tempo as pesquisas dão conta de três pontos estabelecidos pelo senso comum. Primeiro, que a situação só vem piorando (foi o que disseram 78% na pesquisa CNT/Sensus de fevereiro). Segundo, que o tema deveria estar entre as mais altas prioridades dos governantes e candidatos. Terceiro, que a responsabilidade é de todos os governantes.

Mas Alckmin é que leva o tiro maior e disso pefelistas e tucanos não tinham dúvida. O candidato se reuniu com tucanos e pefelistas no Senado. Alguns pefelistas acham que ele errou, demorou para falar do acontecido, e quando falou foi evasivo. Criticou a Justiça e gabou-se de ter enfrentado com êxito duas rebeliões do gênero ¿ mas de proporções infinitamente menores ¿ quando era governador. Mas Alckmin deixou o governo há apenas 40 dias, diz o líder Rodrigo Maia. O governo estadual é de coalizão, disse José Carlos Aleluia, lembrando que os secretários de Administração Penitenciária e de Segurança Pública de Alckmin foram mantidos por Cláudio Lembo. Talvez a delicadeza eleitoral esteja no fato de Alckmin ter se jactado tanto de seus feitos na área de segurança, o que se revela agora uma ilusão.

Estratégia tucana: dividir a bola com Lula, destacando o atraso na construção dos presídios federais, o corte de verbas para segurança e a ausência de um plano estratégico unindo a federação. Mas disso também o povo sabe. E sabe que a omissão federal vem de longe.

O baú das soluções legislativas de emergência foi aberto pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que acionou comissões para aprovar logo projetos encalhados sobre segurança. A Câmara fez o mesmo mas muitos deputados dizem que isso só reforça a idéia de que o Congresso, com seu conceito já tão abalado, é devedor de leis que resolveriam o problema. O líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira, diz que o problema não é de falta de leis, é de implementação das que já existem.

¿ Não entendo a bizarra discussão sobre uso de celular nas penitenciárias. É claro que isso é delito e a lei permite sua punição, bem como aos que os introduzem nos presídos. Discute-se também o que fazer quando as concessionárias telefônicas já dispõem de equipamento bloqueador eficaz. E o que dizer da discussão sobre a legalidade de grampear ligações de criminosos? O sigilo não protege atos ou equipamentos ilegais.

Bizarra também é a oposição da OAB à revista de advogados, quando é tão sabido que alguns atuam como pombos-correios dos chefes do crime. Todos os cidadãos se sujeitam a passar por detectores de metal em aeroportos, órgãos públicos e outros locais. Em se tratando de presídios, a necessidade da revista é indiscutível, e para todos.

Por fim, discutiu-se muito ontem no meio político a tal negociação com a facção. Negociar é reconhecer a força do inimigo. Mas baixar-lhe a crista no meio da insurreição poderia levar a um novo Carandiru, diziam outros. Vidas estavam correndo perigo, era preciso deter a carnificina. Mas agora que o pior passou, não basta contar os mortos.