Título: NÃO INTERESSAM HERÓIS MORTOS¿
Autor: Chico de Gois
Fonte: O Globo, 17/05/2006, O País, p. 3

Polícia de SP reage e mata 33 supostos criminosos só na madrugada de ontem

Na noite em que as ruas de São Paulo reproduziram o silêncio do medo da população que havia se refugiado em casa temendo a guerra entre bandidos e policiais, as forças de segurança paulistas abriram fogo contra suspeitos e elevaram em 86,8% o número de supostos criminosos mortos em comparação com o dia anterior. Balanço divulgado no início da tarde de ontem pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo contabilizava 71 bandidos mortos desde sexta-feira, quando começaram os ataques. No dia anterior, o governo paulista informara que até aquela data 38 suspeitos haviam sido mortos "em confronto com a polícia". Somente na madrugada de ontem, portanto, a polícia matou 33 pessoas que seriam ligadas ao crime organizado.

Paralelamente, o número de vítimas fatais entre policiais militares praticamente se manteve estável. Até a tarde de segunda-feira, eram 22 os mortos. Ontem, outro PM foi assassinado, elevando para 23 o número de PMs mortos nas ações da facção criminosa (além de seis policiais civis, três guardas metropolitanos, oito agentes penitenciários e quatro cidadãos comuns).

¿O plasma que conheço é sangue¿

O delegado-geral da Polícia Civil, Marco Antonio Desgualdo, fez questão de negar ter havido um acordo entre o governo e os bandidos para pôr fim às rebeliões nos presídios, mas não escondeu que as mortes foram uma reação da polícia às ações dos criminosos.

¿ Chegaram a dizer que os bandidos receberiam televisões de plasma. O plasma que eu conheço é o do sangue. A polícia foi para cima ¿ disse Desgualdo.

Mas ele classificou de "mentira grosseira" uma pergunta sobre se havia ocorrido uma matança.

¿ Vocês conhecem nosso pessoal ¿ disse Desgualdo aos repórteres, durante entrevista coletiva.

¿ Se cutucarem a onça com vara curta, vai ter encrenca. Mas tudo dentro da legalidade, embora não tenhamos de abaixar a cabeça. Nós representamos a força do bem, a voz da sociedade ¿ completou o delegado.

O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, também demonstrou que a corporação não estava para brincadeira:

¿ Se de manhã tínhamos cerca de 60 criminosos mortos e já temos 71 é porque a polícia está matando quem ousa nos enfrentar.

Para Borges, "o que salva a vida é o medo".

¿ Não me interessam heróis mortos. Quero soldados com receio, mas com técnica.

As afirmações de Desgualdo e de Borges ganhavam força com os casos de mortes registrados nos distritos policiais da cidade e da região metropolitana de São Paulo.

Além do grande aumento no número de mortes entre os bandidos, as prisões aumentaram ontem de 91 para 115.

Em Santo Amaro, Zona Sul da capital, dois homens foram mortos depois de trocar tiros com a Rota, a força de elite da PM. Com os suspeitos foram encontrados dois revólveres 38 e oito bananas de dinamite.

Na Zona Leste, outros dois homens foram mortos após atacar uma agência bancária. E em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, mais duas pessoas foram mortas em confronto. A polícia informou que a dupla carregava seis coquetéis molotov.

Mesmo com o encerramento das rebeliões anteontem e com o endurecimento das forças de segurança, os atentados continuaram durante a noite de anteontem, a madrugada e o dia de ontem.

Em Diadema, também na Região Metropolitana, a casa de um soldado da Polícia Militar foi atacada na noite de anteontem por homens que dispararam cinco vezes. Os criminosos também jogaram uma bomba de fabricação caseira contra a porta do imóvel. Apesar do susto, ninguém foi ferido e os suspeitos conseguiram fugir.

Do xadrez para o futebol americano

Os números divulgados ontem pela Secretaria de Segurança Pública registraram um total de 251 atentados (até o dia anterior, eram 184 casos). Desse total, 80 foram ônibus incendiados (anteontem, a polícia chegou a dizer que eram 85 ônibus queimados, dos quais 56 na capital). Além disso, uma garagem de ônibus também foi alvo dos criminosos. A polícia conta também que 15 agências bancárias foram danificadas pelos bandidos.

A estratégia adotada pela polícia para encurralar os criminosos valeu-se também de pressão sobre famílias de suspeitos. O delegado-geral afirmou que o trabalho de inteligência das forças de segurança paulista consistiu em "identificar residências" de pessoas que pudessem ter ligação com a facção criminosa. A mãe de um preso acusado de participar das ações contra a polícia foi encontrada morta em sua casa.

¿ A inteligência da polícia identificou as residências dessas pessoas. Sabedoras disso, elas tiveram de dar uma brecada nas ações ¿ afirmou Marco Antonio Desgualdo.

O delegado fez uma analogia com jogos para demonstrar que a polícia endureceria a reação se julgasse preciso.

¿ Se for necessário, vamos ter o prazer de deixar o tabuleiro de xadrez (onde há mais estratégia para a ação) e partir para o futebol americano (jogo conhecido pelo confronto físico entre seus oponentes).

Especial para O GLOBO