Título: CIDADE TENTA VOLTAR AO NORMAL, APESAR DO MEDO
Autor: Tatiana Farah e Lino Rodrigues
Fonte: O Globo, 17/05/2006, O País, p. 15

Depois de toque de recolher informal na segunda-feira, comércio e escolas abrem mas faltam clientes e alunos

SÃO PAULO. Depois de uma madrugada em que imperou um toque de recolher informal na maior cidade brasileira, o dia começou ontem com o sistema de transporte operando normalmente e com as lojas de portas abertas. Mesmo assim, o comércio de São Paulo amargou ontem mais um dia de grandes prejuízos. Os comerciantes notaram queda de até 70% nas vendas. Na segunda-feira, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) registrara queda de 50%.

O pior retrato de ontem foi a Rua 25 de Março sem carros na rua e sem o famoso atropelo de consumidores e camelôs na calçada. Segundo proprietários e vendedores da mais tradicional rua de comércio da cidade, o movimento foi ainda menor que no fim do ano passado, quando contrabandistas explodiram uma bomba em frente a um shopping popular, ferindo 15 pessoas.

¿ Em 30 anos, nunca vi uma coisa dessas. Foram os piores dias da 25 de Março. Pior foi o governo não se pronunciar ontem (anteontem), quando tudo acontecia ¿ disse o lojista Paulo Rafael.

Alunos deixam de ir às escolas

As escolas municipais e estaduais abriram os portões e tentaram manter o ritmo habitual. Assustados, os pais preferiram manter os filhos em casa, e o resultado foi a baixa freqüência nas instituições. Na Escola Estadual Coronel Almirante Custódio de Mello, na Penha, Zona Leste, funcionários e professores retomaram as atividades. Mas grande parte dos alunos não apareceu. Dois dias antes, apenas uma professora fora trabalhar. No mesmo bairro, a escola Nossa Senhora da Penha também registrou pequena presença de estudantes.

Em Guaianases, Zona Leste, os pais não enviaram os filhos à Escola Estadual Pedro Táxi. Creches e unidades de ensino fundamental voltaram à normalidade. Cerca de 30% das escolas particulares ficaram fechadas ontem, segundo o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp).

Além de disputar a clientela local com o medo, o comércio da Rua 25 de Março sofreu sem os clientes que lotam ônibus de diversos estados para comprar em São Paulo.

¿ O pessoal de fora está com medo. Muitos clientes ligaram segunda-feira e hoje (ontem), o dia inteiro, para saber o que aconteceu. Os clientes não querem vir, enquanto a situação não se acalmar mesmo ¿ afirmou Rafael.

A vendedora de bijuterias Carmen Silva, que tem uma barraca, não se conformava.

¿ Não vendi nada até agora (12h30m), mas vou ficar aqui. A gente tem de fazer um dinheirinho, mesmo que sejam R$10.

Muitos camelôs nem saíram de casa. O temor é maior com a presença da Polícia, que pode apreender mercadorias.

¿ Esta coisa espanta os turistas. São Paulo vai ficar uma negação ¿ reclamou Carmen.

Gerente de loja de materiais para bijuterias, Célia Regina Morgado viu seus funcionários sem nada o que fazer:

¿ Nem quando tem greve de ônibus ou é final da Copa do Mundo fica assim. O povo da cidade não quer vir e os de fora ligam, avisando que só voltam semana que vem.

Na segunda-feira, Célia dispensou os funcionários às 15h30m, mas, com os congestionamentos, alguns chegaram em casa depois das 22h. Para ela, nem promoções e liqüidações animam clientes:

¿ Não tem como fazer o cliente vir até você. No dia depois da bomba, em dezembro, ficou tudo normal. Mas hoje nem o telefone toca mais.

José Teles, que trabalha em uma loja de tecidos finos há 40 anos, também lamentava:

¿ A gente fica assustado, pensando o pior.

Mesmo na região central, como no Brás, lojistas fecharam as portas antes do horário. O balanço de ontem ainda não foi calculado pela associação comercial. Os lojistas só saberão o prejuízo no balanço do fim do mês, feito pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP). A entidade se reúne com empresas e funcionários amanhã, na Ordem dos Advogados do Brasil para decidir sobres medidas judiciais para repor prejuízos.

Já as empresas de ônibus fizeram a primeira conta das perdas: R$6 milhões na segunda-feira, só em passagens. Ontem, todas trabalharam com a frota normal, apesar da queda no número de passageiros. O sindicato dos empresários não calculou o prejuízo pelos incêndios a mais de 50 ônibus. Com um preço médio de R$100 mil, a perda passa dos R$5 milhões, cifra a ser confirmada até o fim de semana. Segundo as empresas, com os ônibus em risco (ontem foram queimados mais dois), é prematuro fazer cálculos. O rodízio de carros foi suspenso.

Shoppings com pouco público

Um levantamento da Associação Comercial mostra que às 15h de segunda-feira houve queda de 90% nas consultas ao SCPC e ao Usecheque, termômetros das vendas a prazo e à vista no varejo, em relação à segunda-feira que sucedeu o Dia das Mães em 2005.

A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), estima que as vendas movimentam R$400 milhões diariamente, pouco mais da metade na região metropolitana.

¿ Venda perdida não se recupera. E o impacto desse dia nós vamos sentir no resultado do final do ano ¿ disse Marcel Solimeo, economista da ACSP.

A segunda-feira foi de prejuízo em praticamente todos as regiões tradicionais do comércio paulistano. Nos shopping centers, segundo Luciana Lana, gerente de marketing da Abrasce, que reúne os estabelecimentos, o movimento caiu a menos de 50% de um dia normal nas mais de 18 mil lojas dos 97 shoppings do estado.