Título: Cooperativas contra o crime
Autor: GERALDO PRADO
Fonte: O Globo, 17/05/2006, O País, p. 16

O governo de São Paulo errou ao subestimar o crescimento da facção criminosa que domina os presídios do estado. A opinião é do coronel da PM paulista José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Para ele, só um sistema de inteligência capaz de monitorar as ações dos criminosos, identificar sua logística, seus processos de trabalho e linhas de corrupção pode combater com eficiência o crime organizado. Para isso, o coronel defende uma ¿cooperativa contra o crime¿.

Existe uma solução para evitar ações como as que aterrorizaram São Paulo nos últimos dias?

JOSÉ VICENTE DA SILVA FILHO: O problema afetou São Paulo mas existe em todas as polícias: não temos sistemas de inteligência que coletem informações sobre os criminosos, a estrutura do crime, seus processos de trabalho, linhas de corrupção (quem eles pagam). Para lidar com o crime organizado, é preciso criar um núcleo de inteligência que integre as polícias civil, militar, integrantes do Judiciário e do Ministério Público.

Por que o governo de São Paulo não conseguiu evitar as ações, mesmo tendo informações de que elas poderiam ocorrer?

J.V.: O grande erro de São Paulo foi subestimar o crescimento da rede criminosa. Houve uma arrogância desnecessária quando as autoridades disseram a facção estava sob controle. Os presos buscam seus comparsas de fora, usam suas influências. Não houve preocupação em acompanhar essas ações. A Polícia Civil prende e acha que dali em diante o problema é dos outros. Uma reivindicação antiga da secretaria de Administração Penitenciária é que a polícia continue investigando os criminosos dentro dos presídios.

O indulto aos presos no Dia das Mães poderia ter sido evitado?

J.V.: Em todo feriado, costuma haver motins e rebeliões. A Justiça não costuma dar bola para esses rumores. O Judiciário tem se mantido distante do sistema penal. Desde janeiro, havia um pedido de transferência do Marcola (Marcos Willian Herba Camacho, líder da facção) da prisão em Avaré para a de Presidente Bernardes. A Justiça não autorizou.

A Polícia Federal também poderia ajudar na força-tarefa contra o crime?

J.V.: A Polícia Federal poderia ser convidada, mas não costuma cooperar com os estados. E toda vez que há um problema o governo federal oferece ajuda. Por que eles não detectaram o problema antes também?

J.V.: O governo federal abandonou as bandeiras do seu projeto de segurança. A PF abandonou o crime organizado para se concentrar no de colarinho branco, que é menos perigoso e faz mais sucesso na mídia. O orçamento de São Paulo triplicou na segurança. Não é falta de estrutura o problema. É falta de inteligência. Reprimir o crime não é colocar soldado na rua. É desmantelar a logística do crime, a entrada da droga e a saída do dinheiro. Por que a polícia não faz? Porque não está priorizando o problema. Isso tem que ser uma decisão de governo. É preciso formar uma cooperativa contra o crime. Eles fizeram cooperativa aqui em São Paulo e a polícia não fez.