Título: Ainda se sonha com Carandiru
Autor: GERALDO PRADO
Fonte: O Globo, 17/05/2006, O País, p. 16

O juiz criminal Geraldo Prado, titular da 37ª Vara Penal do Rio de Janeiro, está preocupado com as reações aos ataques comandados por uma fação criminosa em São Paulo. Para ele, não adiante cobrar soluções mais duras agora porque violência só acabará gerando violência, sem diminuir a sensação de insegurança. Ele lamentou a onde de mortes atribuída à polícia paulista e disse que é preciso evitar a articulação do preso com o mundo extramuros.

O senhor concorda que os presos mais perigosos precisam de um tratamento mais duro nas cadeias brasileiras?

GERALDO PRADO: Num ambiente de extrema violência, como o vivido em São Paulo, é natural que todas as pessoas tenham a tendência de reagir emocionalmente impactadas por isso. Todo esse incremento de violência não é fruto só das organizações criminosas. O poder público tem apronfundado essa crise ao abdicar das soluções mais eficientes. Todos os juízes criminais têm percebido, ultimamente, o aumento do crime de roubo, praticado com os mais variados tipo de armas. Tais crimes manifestam claramente a quebra da coesão social. E os criminosos, neste caso, não são ligados às cabeças das grandes organizações criminosas.

Que saídas podem ser adotadas diante de um quadro tão grave e violento?

PRADO: Se eu me deixar emocionar e me deixar levar pela gravidade da matança, terei uma leitura terrorista dos fatos. A maior parte das pessoas que participa dessas agressões pertence a uma base alienada, formada por uma juventude sem perspectiva. A reação emocional tem um significado de perda da racionalidade. Existem, evidentemente, muitas estratégias de enfrentamento. A militarizada, como muitos defendem agora, só vai produzir mais mortes.

Mas o Congresso está defendendo medidas mais enérgicas de combate à onda de criminalidade...

PRADO: Não adianta sonhar com o retorno idílico do Carandiru. Lamentavelmente, já vi gente defendendo isso recentemente. Repressão com mais repressão só vai gerar mais mortes, gente presa, sem diminuir minimamente a sensação de insegurança. O que precisa ser feito, agora, é evitar a articulação entre presos e os que estão fora da prisão. Outra providência fundamental é uma ação fortíssima de investigação criminal que diminua a posse e o acesso à armas de fogo.

As soluções que o senhor defende, neste caso, não exclusivamente policiais?

PRADO: É preciso tentar criar, nas grandes cidades, ações voltadas para as comunidades mais violentas. É preciso dar valor a esses lugares, mesmo que eles fiquem dentro das grandes metrópoles brasileiras. Seria algo como entender estes lugares como pequenas comunidades nas grandes cidades. Do jeito que está, não dá para continuar. Acabo de saber notícias sobre a morte de mais de 70 pessoas em São Paulo., Na onda de ação e reação, vamos matar centenas sem diminuir nada.