Título: NA BOLÍVIA, A VEZ DA TERRA
Autor:
Fonte: O Globo, 17/05/2006, Economia, p. 27

Governo vai distribuir até 4,5 milhões de hectares e rever concessões em aeroportos

COCHABAMBA e LA PAZ

Depois da nacionalização do setor de combustíveis, o governo boliviano anunciou as novas etapas das mudanças do Estado: a reforma agrária e a revisão dos contratos com empresas estrangeiras para a administração de três aeroportos no país. O vice-presidente boliviano, Alvaro García Linera, anunciou ontem em Cochabamba, a uma platéia de sindicalistas e indígenas, o projeto de redistribuição de terras e o fim dos latifúndios improdutivos.

García Linera, que exerce a Presidência durante a viagem de Evo Morales à Europa, tentou tranqüilizar os agricultores, prometendo dar segurança jurídica às propriedades produtivas. Ele descartou um confisco maciço de grandes propriedades agrícolas e anunciou a redistribuição imediata de até 4,5 milhões de hectares de terras pertencentes ao governo ¿ excluindo áreas de proteção e florestais ¿ para comunidades indígenas e camponeses.

¿ Fiquem tranqüilos ¿ disse García Linera, reforçando que dará plena segurança jurídica às propriedades agrícolas produtivas grandes, pequenas e comunitárias.

Participaram do anúncio o ministro de Desenvolvimento Rural, Hugo Salvatierra, e o vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz. As medidas, que serão discutidas a partir de hoje por representantes dos setores envolvidos, fazem parte de um pacote chamado ¿Recondução Comunitária da Reforma Agrária¿. Segundo o governo, trata-se de mudanças parciais para solucionar questões urgentes, porque as medidas mais profundas serão discutidas pela Assembléia Constituinte, a ser eleita em julho.

Improdutivos na mira do governo

García Linera disse que a reforma acabará com as práticas ¿de banditismo¿ que ganharam impulso com o modelo neoliberal a partir de 1985, além de ser um projeto para os próximos 50 anos. A meta, segundo ele, é tirar 650 mil famílias camponesas da extrema pobreza. Já Salvatierra assegurou que não está prevista a desapropriação de terras produtivas e legalmente obtidas.

A principal medida é a entrega imediata de até 4,5 milhões de hectares de terras estatais a camponeses e indígenas. Segundo o governo, a primeira reforma agrária, feita em 1953 por Víctor Paz Estenssoro ¿ lançada também em Cochabamba ¿ transferiu 95% das terras a empresários e apenas 5% a camponeses.

A segunda proposta é a modificação da lei do Instituto de Reforma Agraria (Inra) de 1996, para que as terras que não cumpram uma função econômica e social sejam devolvidas ao governo para serem distribuídas aos necessitados. Até agora, bastava que os proprietários pagassem seus impostos anuais para manter as terras.

Além disso, o governo vai revisar os contratos firmados com um grupo internacional, representado atualmente pelas espanholas Abertis e Aena, para o gerenciamento dos três principais aeroportos do país: em La Paz, Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba. Essa revisão foi uma concessão para que os funcionários da Aasana (estatal do setor aeroportuário) encerrassem uma greve ¿ que durou apenas três horas ontem e não afetou vôos comerciais.

O diretor de Aeronáutica Civil da Bolívia, Javier García, disse à rádio Erbol que o governo vai analisar se os administradores privados dos aeroportos prestam um serviço eficiente e se fizeram os investimentos prometidos. Caso contrário, os aeroportos poderão voltar para o Estado.

Em 1997, a administração dos três aeroportos foi concedida por 25 anos ao grupo americano AGI, que desde 2005 é administrado pelo consórcio espanhol ACDL, no qual a Abertis (privada) tem 90% e a Aena (estatal), 10%.