Título: Apetites soltos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/05/2006, O GLOBO, p. 2

A sobriedade política não resistiu à primeira pesquisa mostrando que, para a população, todos são culpados pela crise de segurança que possibilitou os ataques da facção paulista do crime organizado. Diante da evidência de que tanto o presidente Lula quanto o candidato Alckmin saíram arranhados, PT e PSDB recrudesceram nos ataques mútuos. Governo e oposição conseguiram, entretanto, aprovar em poucas horas, no Senado, projetos que endurecem a legislação penal. É pouco, mas é o que se pode esperar deles nesta hora eleitoral.

Na segunda e na terça-feiras os cardeais da política mantiveram a compostura, contendo os ímpetos eleitorais. Ontem, com a divulgação da pesquisa Datafolha, entregaram-se ao jogo de culpas e acusações recíprocas. O fogo subiu no fim da tarde com a difusão de declaração do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, dizendo aproximadamente que o governo paulista preferiu negociar com os bandidos a aceitar a ajuda federal ¿ uma afirmação que somou verdade e inconveniência, mistura que em política pode dar alta combustão.

Depois disso, tucanos e pefelistas ficaram à vontade para fazer correr a cortina de relâmpagos, os discursos indignados com a ¿exploração eleitoreira¿ da tragédia pelos governistas. Dos EUA, Mercadante atacou os governantes tucanos de São Paulo, aos quais pretende suceder.

No Senado, o líder tucano Arthur Virgílio criticou o presidente Lula por ter dito, em Ceres (GO), que a culpa era dos governantes do passado, das décadas de 70, 80 e 90, que não deram educação e oportunidade às crianças que se transformaram nos criminosos de hoje. A líder petista Ideli Salvatti rebateu as críticas à redução de verbas federais para o setor lembrando que o governo paulista do PSDB também reduziu em 15% as verbas dos últimos dois anos. Tiro para lá, tiro para cá, acabaram admitindo que todos são culpados. Virgílio chegou a falar em ¿mão estendida¿, pregando a soma de esforços na elaboração de um vigoroso plano nacional de combate ao crime organizado. Em condições normais de temperatura e pressão políticas, isso é o que se espera dos líderes de um país. Que ponham diferenças de lado na hora da adversidade. Mas estamos a cinco meses da eleição presidencial. Esqueçamos isso e preparemo-nos para assistir, na campanha, a um campeonato de ¿melhores propostas¿ na área de segurança entre os candidatos.

Afora a cutilaria verbal, o Senado deu bom exemplo. Ainda que o baú legislativo não traga a solução, que é complexa, as leis aprovadas ontem podem ajudar, se forem aplicadas. Foi da oposição a tomada da ofensiva na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por ACM. Foi o senador tucano Demóstenes Torres (GO) que selecionou os projetos e mobilizou seus pares. É autor de quatro dos projetos e foi relator de seis. Mas o voto foi de todos os partidos. ACM e a CCJ foram também prudentes ao acolher a recomendação da senadora Ideli para que adiassem a votação de duas propostas que precisam ser melhor examinadas. Uma vincula verbas para o setor e outra proíbe que sejam contingenciadas. O governo também prometia, à noite, um decreto obrigando as concessionárias de telefonia móvel a instalar os bloqueadores nos presídios, uma medida que já devia ter sido adotada. Não é preciso lei para isso. Da mesma forma, lembra o senador Demóstenes, a Lei de Execuções Penais já prevê que os advogados passem por detectores de metais ou revista. A regalia tem mesmo permitido a alguns agir como comparsas dos clientes.

A consternação vai passar, os mortos não voltarão, a polícia paulista promete um banho de sangue. Medidas, teremos poucas. A campanha, que já está acirrada, ganhou um ingrediente novo e ácido.