Título: CHACINAS DEIXAM DEZ MORTOS, INCLUSIVE INOCENTES
Autor: Chico de Gois
Fonte: O Globo, 18/05/2006, O País, p. 9

O retorno da morte em quantidade num mesmo lugar ocorreu um dia depois da noite do silêncio nas ruas paulistanas

SÃO PAULO. O feirante Nuri Meriz caminhava de um lado para o outro no Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo ontem, mas pouco falava. As palavras eram engolidas com as lágrimas. Nuri limitava-se a exibir a foto de seu filho no celular, o também feirante Marcelo Heyd Meriz, de 21, morto numa das três chacinas registradas entre a noite de anteontem e a madrugada de ontem em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

¿ Não posso acreditar que meu filho está morto ¿ dizia.

Num intervalo de cinco horas, em diferentes pontos, dez pessoas foram assassinadas em chacinas. Até quinta-feira, um dia antes de começarem os atentados contra policiais civis e militares, somente três chacinas haviam sido registradas neste ano em São Paulo.

Em 2001, foram contabilizadas 43 chacinas no estado, com 154 mortes. Desde então, o número vem caindo. Em 2002, foram 40 atentados, com 134 vítimas; em 2003, 23 crimes e 80 mortos; em 2004, 22 chacinas e 81 vítimas e, no ano passado, 15 crimes, com 55 mortos.

O retorno da morte em quantidade num mesmo lugar se deu um dia depois da noite do silêncio nas ruas paulistanas, quando a população, temendo ser vítima da troca de tiros entre policiais e bandidos, deixou o trabalho mais cedo para se refugiar em casa. As ruas ficaram vazias e, naquela noite, a polícia matou 33 suspeitos, elevando de 38 para 71 o número de supostos criminosos mortos. Ontem o número aumentou e já soma 93.

As chacinas ocorridas entre as 22h de terça-feira e as 3h de ontem tiveram características semelhantes: homens armados em moto usando capacetes ou tocas ninjas, concentração de clientes em bares na periferia, tiros na cabeça em vários casos e, entre as vítimas, alguns com passagens pela polícia, mas muitos inocentes também.

A primeira matança ocorreu na Vila Gustavo, Zona Norte. Num lava-rápido freqüentado por jovens como uma espécie de bar ao ar livre, havia cerca de dez clientes. Entre eles o filho do feirante Nuri Meriz que, antes de sair, ouviu a mãe pedir:

¿ Tome cuidado, filho.

A descrição do boletim de ocorrência é resumida. De acordo com testemunhas, duas motos aproximaram-se do local e começaram a disparar a esmo. Marcelo foi alvejado na cabeça. Com ele morreram Murilo de Moraes Freitas, de 19, e Felipe Vasti Santos de Oliveira, de 18.

No extremo sul da cidade, a uma hora da madrugada, a cena era quase idêntica. Jovens na calçada, motoqueiros, tiros, corpos caídos. Os jovens atingidos foram levados ao hospital e o boletim de ocorrência afirma que "eles não resistiram e vieram a falecer (sic)".

Os próximos alvos estavam em Guarulhos, cidade conhecida por causa do aeroporto de Cumbica. Eram cerca de 3h e o Bar do Neto, na periferia da cidade, mantinha o movimento de todas as madrugadas. Muita gente, a maioria jovem, alguns envolvidos com droga, como assentiram à reportagem sobreviventes que ontem olhavam as marcas de sangue na rua.

Os criminosos chegaram em duas motos. Abriram fogo contra aproximadamente 20 pessoas que estavam no bar. Três foram atingidas dentro do estabelecimento. Outras três estavam na rua e lá ficaram.

Das seis vítimas, quatro morreram. Duas tinham passagem pela polícia por tráfico de drogas. Uma era taxista e, como fazia toda noites, parou no bar para tomar uma cerveja. A outra vítima era motoboy.

Uma testemunha disse que, ao ouvir os disparos, se jogou no chão, atrás do balcão. Outra contou que os atiradores perseguiram um dos clientes, que tentou fugir pela rua, mas foi atingido e tombou em frente a uma árvore. Chamava-se Celso Ferreira Domingos Gonçalves.

¿ Os tiros foram, na maioria, na cabeça ¿ disse uma testemunha. Uma vizinha ao bar estranhou a rapidez com que a polícia chegou ao local do crime.

¿ Não deu nem cinco minutos dos atentados e a polícia já estava aqui ¿ disse a mulher. A companhia policial mais próxima fica a cerca de oito quilômetros do local dos crimes.