Título: Uma lista de 107 mortos sem nomes
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 19/05/2006, O País, p. 3

Polícia não divulga identidade de suspeitos mortos em confronto com suas tropas

Na maior guerra urbana já deflagrada em São Paulo por causa do confronto entre o crime organizado e policiais, o número de mortos no estado não pára de crescer. Nos últimos sete dias, 152 pessoas foram assassinadas, sendo 107 suspeitas de participarem da organização criminosa que mudou a rotina de 40 milhões de paulistas. A polícia, que teve 41 policiais assassinados desde a última sexta-feira, assume que 107 pessoas foram mortas em confronto com suas tropas, mas mantém em sigilo a lista com os nomes dos mortos suspeitos. O governo de São Paulo diz que só vai divulgar os nomes dos supostos bandidos mortos depois que tiver aberto todos os inquéritos policiais que investigarão os crimes cometidos por eles.

Em menos de 12 horas ¿ entre as 22h de anteontem e as 10h de ontem ¿ policiais mataram a tiros mais 14 homens. Desde a madrugada de segunda-feira nenhum policial foi morto, segundo números oficiais da Secretaria de Segurança Pública.

Nos três primeiros meses do ano, segundo registro do governo paulista, as polícias Civil e Militar mataram 117 pessoas em confronto no estado. Da última sexta-feira até ontem, os casos de mortes por policiais atingiram quase o mesmo número, dando uma média de 17,8 pessoas assassinadas em confronto com a polícia por dia.

As delegacias foram orientadas a não divulgar os boletins de ocorrências sobre mortes em confronto. Além dos 107 suspeitos de terem cometido crimes e dos 41 policiais, também foram mortos quatro cidadãos desde sexta-feira.

¿Eu não posso atravessar a lei¿

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, justificou a falta de informações sobre a lista com os nomes dos 107 mortos:

¿ Para cada pessoa infelizmente morta há um inquérito policial. Temos que respeitar a estrutura burocrática e legal. Eu não posso atravessar a lei e dizer ¿passa rápido, de qualquer jeito¿ ¿ disse Lembo.

A polícia justifica a matança como um revide à ação dos criminosos. Testemunhas, no entanto, acusam policiais de atirar contra pessoas desarmadas. Isso explicaria a demora das autoridades para divulgar informação sobre quem morreu nos confrontos com os policiais.

¿ Se tem um governo legalista, é o nosso. É certo que o número de mortes nesses ataques supera o que foi registrado nos últimos três meses, mas não há excessos da polícia. Acontece que estamos numa guerra e vamos ganhar ¿ afirmou o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho.

As mortes voltaram a ultrapassar os limites da região metropolitana de São Paulo. Em São José dos Campos, dois homens foram mortos depois de reagirem à abordagem da polícia. Uma denúncia anônima levou os policiais a uma casa no Jardim Imperial e quando chegaram foram recebidos a tiros. No tiroteio, dois rapazes morreram no local, onde foram encontrados duas bananas de dinamite, cocaína, armas e munição. Embora sem comprovação de que fariam parte da facção criminosa, os dois mortos se somaram à contabilidade da Secretaria de Segurança.

Em Guarulhos, outros dois homens foram mortos enquanto tentavam roubar um carro numa das principais avenidas da cidade. Ao perceber a ação dos criminosos, a polícia reagiu a tiros. Também naquela cidade da Grande São Paulo, Leandro Xavier Dias e Francisco Josicleiton do Nascimento, que estavam numa moto, foram mortos depois que a polícia pediu para que parassem. Informações do comando da PM garantem que os dois rapazes reagiram à abordagem.

Dois rapazes que furaram um bloqueio da polícia na Marginal Tietê, na capital paulistana, também trocaram tiros com a polícia. Um deles morreu. No carro usado pelos criminosos, foram encontradas quatro bananas de dinamite.

Os números da violência também aumentam a cada dia. Já são 293 atentados: 82 ônibus, 56 casas de policiais, 17 agências bancárias e caixas eletrônicos, uma estação de Metrô, um prédio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e uma garagem de ônibus, além de bases e viaturas das polícias civil e militar. Em meio à guerra urbana, 124 pessoas suspeitas de terem ligações com a facção criminosa já foram presas desde sexta-feira.

Mais sete ônibus são incendiados

Nas últimas 24 horas a polícia registrou mais sete ônibus queimados. Em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, dois homens numa moto pararam o coletivo, mandaram os passageiros descerem e lançaram coquetéis molotov. Ninguém ficou ferido.

A polícia apura também se integrantes da organização criminosa foram os responsáveis pelo atentado contra o jornal ¿Imprensa Livre¿, de São Sebastião, no litoral Norte paulista. Pelo menos três bandidos fortemente armados, inclusive com uma calibre 12, atacaram a sede do jornal por volta das 4 horas. O bando invadiu o prédio do jornal pelo parque gráfico e rendeu os funcionários. Depois, eles invadiram a sala de diagramação do jornal e fizeram outros reféns.

Os criminosos passaram a jogar gasolina no parque gráfico e incendiaram uma impressora, uma guilhotina e os aparelhos de edição do jornal, que estava prestes a ir às bancas.

No ataque, por diversas vezes, os bandidos gritavam advertências para que o jornal não divulgasse informações sobre a facção criminosa que age em todo o estado. A direção do jornal, no entanto, acredita que questões políticas locais possam estar por trás dos atentados atribuídos pela polícia à facção criminosa.

Também em São Sebastião, um rapaz de 21 anos foi morto dentro da Santa Casa, para onde foi levado segunda-feira depois de ser baleado numa troca de tiros com a polícia. Um grupo de quatro homens invadiu o hospital, entrou no quarto onde estava o rapaz e disparou duas vezes. Ninguém foi preso.