Título: POLÍCIA INVESTIGA ENTREVISTA COM SUPOSTO CRIMINOSO
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 19/05/2006, O País, p. 9

Secretaria quer saber se repórter falou com chefe de facção que está em presídio de segurança máxima

SÃO PAULO. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo abriu inquérito para apurar uma entrevista feita na madrugada de ontem pela TV Bandeirantes supostamente com Marcos Herbas Camacho, o Marcola, chefe do maior facção criminosa que atua nas prisões paulistas. Na reportagem, o repórter Roberto Cabrini afirma que falou com o ¿responsável pelos ataques à cidade¿ pelo celular. Desde sábado, Marcola está na penitenciária de segurança máxima de Presidente Bernardes, incomunicável. O governo paulista negou que o entrevistado seja o bandido.

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), responsável pelo presídio de Presidente Bernardes, onde Marcola está preso, divulgou um comunicado repudiando ¿a forma criminosa e irresponsável que as emissoras de televisão Rede Record e Rede Bandeirantes colocaram no ar falsas gravações com chefes de facções criminosas¿. A secretaria informou que tomará todas as medidas necessárias para responsabilizar civil e criminalmente os autores.

Ontem à noite, no ¿Jornal da Band¿, Cabrini confirmou a veracidade da entrevista e explicou como chegou a Marcola.

¿ Foi através de membros da facção criminosa fora dos presídios. Nós tivemos acesso a reunião da cúpula da organização criminosa, reuniões feitas por meio da telefonia celular. A gente observou como os integrantes que tomam as principais decisões colocam temas em discussão antes de qualquer decisão. Ontem essa cúpula concordou finalmente em nos colocar em contato com a liderança principal da facção. Todos, inclusive, evitam dizer o nome do Marcola nas ligações telefônicas e o tratam de M 1. Durante a noite de quarta-feira eles nos deram acesso ao Marcola, cuja voz foi identificada por pessoas próximas a ele, incluindo advogados ¿ afirmou Cabrini no telejornal ontem à noite.

O Ministério Público do Estado também vai investigar o caso e já solicitou as fitas da TV BAndeirantes.

¿ Os promotores vão fazer uma perícia para ver a procedência e averiguar se são verdadeiras. O prazo (para o fim da investigação) não existe ainda, isso vai entrar no inquérito geral das rebeliões ¿ explicou um assessor do MPE.

Na suposta entrevista com Marcola, ele teria justificado os ataques em São Paulo dizendo que a organização buscava apenas defender os direitos constitucionais dos presos.

¿ Se a gente fosse ouvido e atendido dentro da Constituição e dentro da lei, nada disso teria acontecido ¿ afirma a voz que Cabrini identifica como Marcola, que negou que a organização tenha mandado matar policiais, atitude que atribuiu a oportunistas.

Na entrevista, ele também negou ter feito acordo com o governo de São Paulo para cessar as rebeliões e os ataques.

Em entrevista à rádio CBN, o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt, afirmou que ¿não é normal¿ que um preso consiga usar telefone celular de dentro do presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes. O delegado disse que ficou surpreso com a reportagem.

¿ Ficamos surpresos mas, sabe Deus, tudo vem acontecendo. O normal não é isso ter acontecido isso, mas normal também não era vender meu depoimento ¿ afirmou o delegado, que teve o depoimento sigiloso à CPI do Tráfico de Armas vendido por R$200 a advogados ligados aos integrantes do crime organizado.

Policiais ligados à equipe do delegado Bittencourt garantem que a voz do entrevistado por Cabrini não seria a de Marcola.

A Justiça determinou a partir de hoje o bloqueio de sinais de telefonia celular em áreas de presídio de seis cidades do estado de São Paulo, mas a penitenciária de Presidente Bernardes, onde Marcola está preso, não entrou na lista.

Na terça-feira, a rádio Record tinha colocado no ar uma entrevista com outro integrante da mesma organização de Marcola, Orlando Mota Júnior, conhecido como ¿Macarrão¿. O conteúdo foi transmitido na TV Record no dia seguinte. Em setembro de 2003, o apresentador Gugu Liberato levou ao ar no SBT uma entrevista com dois supostos membros da facção. O caso levou à abertura de um inquérito policial e Gugu chegou a pedir desculpas publicamente porque os entrevistados não eram bandidos.