Título: De olho no trânsito e no ladrão
Autor: Vera Araujo
Fonte: O Globo, 19/05/2006, Rio, p. 18

Entre as vias expressas do Rio, Avenida Brasil é a mais perigosa

Aviolência é um dos principais obstáculos enfrentados por motoristas no Rio. Cercada de favelas, a Avenida Brasil é um perigo constante em seus 58 quilômetros. Em todo o estado, ela foi a via onde mais se registraram, de 1º de janeiro a 8 de maio deste ano, assaltos a transeuntes (ataques a pedestres e motoristas, quando o carro não é levado) e roubos de veículos. Foram, respectivamente, 511 e 728 casos.

Odireito constitucional de ir e vir de quem passa pelas vias expressas é violado a todo momento. Assaltantes fecham as pistas ou bloqueiam as passarelas de pedestres para praticar crimes. O GLOBO mapeou os 32 pontos mais perigosos da Avenida Brasil, da Linha Vermelha, da Linha Amarela e da Via Light.

Um desses pontos é o cruzamento da Linha Amarela com a Avenida Brasil, em Bonsucesso, que fica dentro de uma área conhecida como ¿Faixa de Gaza carioca¿ por causa dos altos índices de violência. Ali acontecem roubos de carro, assaltos a transeuntes e em ônibus, além de freqüentes tiroteios entre PMs e bandidos das favelas de Manguinhos e do Complexo da Maré. Como as quadrilhas da região são de facções criminosas diferentes, os bandidos chegam a lotear as vias expressas.

¿ Os bandidos de uma determinada facção não assaltam neste ponto da Avenida Brasil, porque sabem que a área é do outro grupo. Quando assaltam um ônibus, eles descem um ponto antes ¿ contou o fiscal de uma empresa em frente à Fiocruz.

Em 20 de dezembro passado, um economista foi assaltado em plena luz do dia, quando estava parado num engarrafamento num acesso da Avenida Brasil à Linha Amarela, em Bonsucesso. O bandido roubou o seu carro, um Audi, e fugiu para a Vila do João:

¿ Triste, impotente. Foi assim que eu me senti quando tive uma arma apontada para a minha cabeça ¿ contou. ¿ O bandido fugiu para a favela e eu fiquei a pé, sozinho. Fiquei olhando um táxi, mas ele não parou. Ninguém tem coragem de ajudar.

O bandido levou também todos os seus documentos e cartões de crédito. Hoje, seu nome está no cadastro do Serasa e do SPC, porque criminosos usaram os cartões e os documentos para comprar um carro, quatro celulares e eletrodomésticos.

Também na Linha Amarela, a saída número 4, em Pilares, é conhecida pela polícia como a ¿Saída do bonde¿, por ser um ponto usado por bandidos em comboios para roubar carros. Até PMs são alvo dos bandidos. O posto móvel da Polícia Militar na Linha Amarela, no cruzamento com a Avenida Brasil, está cheio de buracos de balas.

¿ A gente tem que ficar fora do trailer se quiser sobreviver ¿ disse um PM.

Casada com um paranaense, a publicitária Luciana Lima, de 32 anos, resolveu deixar o Rio com o marido, depois que ele foi assaltado duas vezes: uma na Avenida Brasil e outra na Via Dutra. Ela saiu do emprego e viaja no mês que vem para o Sul. Num dos assaltos, os bandidos levaram até o par de tênis do marido de Luciana. No outro, ele estava parado num sinal da Avenida Brasil, próximo à Ceasa, em Irajá, quando dois assaltantes que bebiam cerveja na calçada o atacaram.

¿ Está difícil de viver. Quero ter filho num lugar seguro ¿ disse ela.

Comerciantes da Avenida Brasil também sofrem, como José Luís Soares, dono de um posto de gasolina em Realengo. Cercado pelas favelas do Batã e Fumacê, de facções diversas, o posto fica no meio do fogo cruzado. Em seu escritório, a marca de um tiro de fuzil na parede é a prova da violência do lugar, onde os roubos de carro e assaltos aos motoristas são freqüentes, principalmente depois das 19h. Ontem de manhã, próximo ao posto, havia um corpo abandonado num carro.

¿ Tive que fechar o posto porque ele estava dando mais prejuízo aberto do que fechado ¿ disse o comerciante, que está vendendo o posto.

Ainda em Realengo, quando escurece, bandos com dez homens armados de fuzis se escondem no vão do viaduto novo, na Avenida Brasil, e atacam os motoristas nos redutores de velocidade.

Insegurança afeta também a Via Light

A Via Light é outro ponto de risco. Em novembro de 2000, o gerente de uma loja foi assassinado durante uma tentativa de roubo de moto num sinal de trânsito em Nova Iguaçu. Eram 11h30m, Neilton Luiz Guimarães Maciel, de 42 anos, ia almoçar em casa, quando parou no sinal, na esquina com a Rua Dom Walmor. Dois homens o abordaram e ele acabou sendo baleado no peito. Ainda assim, conseguiu evitar o assalto.

¿ Ele estacionou a moto na calçada, trancou-a e ligou para o meu irmão dizendo que sofrera uma tentativa de assalto, que tinha sido baleado no peito e que os bombeiros o estavam levando para o Hospital da Posse. Morreu pouco depois ¿ lamentou Neli Guimarães Maciel, de 39 anos, irmã da vítima.

De lá para cá, a situação não mudou. O medo ronda a Via Light, com 10,7 quilômetros de extensão e inaugurada pelo estado em 1998 para receber 45 mil veículos por dia. Hoje, apenas 16 mil circulam pela via, que corta os municípios de Rio, Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis e Nova Iguaçu. Um motorista da Viação São José, uma das muitas empresas que usam a via, contou que somente do fim do ano passado para cá sofreu mais de dez assaltos em seu ônibus.

¿ O que fazer? Nada. É continuar a trabalhar e rezar para não acontecer de novo, o que é difícil ¿ disse o motorista.

A primeira passarela de pedestres da Via Light, em Costa Barros, também oferece risco. Bandidos costumam cercar as vítimas, roubando de celulares a carteiras e tênis.

¿ Por isso, muita gente prefere atravessar a pista correndo em vez de usar a passarela ¿ contou um morador da região.

Segundo o 20º BPM (Mesquita), quatro policiais num carro circulam o dia inteiro na via.

COLABOROU Gustavo Goulart