Título: TRAFICANTE DO MORRO DA PROVIDÊNCIA SERIA O ELO ENTRE AS DUAS QUADRILHAS
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 21/05/2006, O País, p. 4

Polícia interceptou ligações entre bandido do Rio e chefes de facção em SP

A facção criminosa que aterrorizou São Paulo com uma onda de ataques está por trás da invasão do crack nos morros do Rio. A droga, derivada da sobra do refino da cocaína e conhecida como pedra da morte, vem ganhando território em favelas dominadas por uma facção carioca aliada à organização paulista. Interceptações de conversas telefônicas apontam o traficante Pablo Pierre Mendes do Amparo, de 29 anos, como o principal elo entre as quadrilhas e que vem usando o Morro da Providência como base para a distribuição de até mil pedras por semana.

As conversas de Pablo com integrantes da quadrilha paulista foram interceptadas inicialmente pelo Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) de São Paulo e repassadas no começo da semana à Polícia Federal e à Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio (SSinte). As investigações revelaram que um dos aparelhos usados pelo traficante está em nome de uma empresa carioca, que até a tarde de sexta-feira não havia registrado na polícia o roubo do telefone.

Na última segunda-feira, o rastreamento de um dos aparelhos usados por Pablo registrou o deslocamento do traficante da Tijuca, provavelmente do Morro do Borel, até São Paulo. A descoberta levou os policiais do Deic a informar a polícia carioca sobre a movimentação do traficante. Pablo e o irmão, Rômulo Mendes do Amparo, seriam ligados a antigos integrantes do bando de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, preso na superintendência da Polícia Federal em Brasília.

Traficante chama cúmplice paulista de Bin Laden

A informação foi repassada pelo Deic à polícia do Rio como medida de precaução. O objetivo era evitar a repetição, no Rio, das cenas de barbárie registradas em São Paulo. O teor das escutas, no entanto, mostrou que Pablo trata basicamente do envio de crack para o Rio. Nas ligações, o traficante debocha das autoridades paulistas; chama Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe da facção criminosa paulista, de Bin Laden; e lembra a ocupação do morro pelo Exército.

¿ Aqui mandaram até o Exército (...) A chapa esquentou, mas a gente não correu e largou o prego (tiros) nos milico (sic) ¿ disse Pablo, referindo-se à ocupação do morro, em março, após o roubo de armas no Estabelecimento Central de Transportes do Exército, em São Cristóvão.

Um dos chefes do tráfico na Providência, Pablo conversa sobre a necessidade de aumentar os carregamentos de crack, tratado nas ligações como R9 e pedra de gelo. Localizado na Gamboa, Zona Portuária, o morro pode se tornar o principal entreposto de distribuição da droga na cidade, como deixa claro o traficante:

¿ A última carga foi rachada com os amigos da Mangueira, Borel e Alemão. Os viciado (sic) estão na febre (...) É só botar a pedra na boca que vende rápido ¿ diz Pablo.

Diretor da Divisão Anti-Seqüestro (DAS), Fernando Moraes confirma que a Providência se tornou o principal reduto da facção aliada à organização paulista, no Rio. O delegado passou a investigar o bando de Pablo após confirmar a ligação do grupo com o desaparecimento de Priscila Belford, irmã do lutado Vitor Belford, em janeiro de 2004.

Para Moraes, a transformação da Providência em entreposto do crack pode refletir no aumento do consumo da droga pelas pessoas que circulam na Central do Brasil e no terminal rodoviário, nos fundos da Gare Dom Pedro II. Como o crack tem o valor relativamente menor que o da cocaína, pode atrair consumidores com o perfil do público que passa diariamente na região.

Responsáveis pela investigação do Deic sobre a associação entre as facções carioca e paulista, o delegado Godofredo Bittencourt informou que, para não prejudicar a investigação, não se pronunciaria sobre as escutas que flagraram o traficante Pablo negociando com bandidos paulistas.

Aliança entre facções começou há cinco anos

A aliança entre as facções começou em 2001, quando dois dos principais chefes da facção paulista ficaram presos em Bangu I. José Márcio Felício, o Geleião, e Cesar Augusto Roriz da Silva, o Cesinha, dividiram a galeria com presos da facção do Rio, entre eles Fernandinho Beira-Mar.

Os dois presos da facção paulista foram transferidos para o Rio por solicitação do Ministério da Justiça, após a rebelião comandada por eles em fevereiro de 2001 em São Paulo. A estratégia de espalhar os chefes da organização criminosa por presídios pelo país acabou disseminando o poder da facção, que tem comparsas hoje no Rio, em Mato Grosso do Sul e no Paraná.