Título: E OS NOMES DOS MORTOS?
Autor: Ricardo Galhardo, Chico Góis e Flávio Freire
Fonte: O Globo, 20/05/2006, O País, p. 3

Entidades pressionam mas governador diz que não tornará pública a lista dos 107

Entidades de direitos humanos, OAB e Ministério Público cobraram ontem do governo de São Paulo a divulgação dos nomes de 107 suspeitos dos atentados mortos em confronto com a polícia. Oito dias depois do começo da guerra entre a principal facção criminosa de São Paulo e agentes de segurança do estado, porém, o governador Cláudio Lembo (PFL) disse que não tornará pública a lista dos mortos ¿ até agora, só foram divulgados os nomes dos 41 policiais assassinados pelos criminosos. Lembo justificou a decisão de não dar nomes às vítimas de policiais alegando que é ¿uma questão de preservação da intimidade das famílias¿.

Ariel de Castro, diretor de direitos humanos da OAB de São Paulo, cobrou a divulgação da lista de mortos.

¿ O governo não está sendo transparente sobre a ação que levou às 107 mortes de suspeitos ¿ acusou.

A decisão de manter incógnitas publicamente as vítimas de tiros da polícia foi acompanhada de outra opção não-declarada. Desde o início do conflito, a Secretaria de Segurança Pública vinha divulgando, no início da tarde ou da noite, os números de vítimas ¿ policiais e civis ¿ e de atentados e a discriminação de feridos e presos. Ontem, porém, isso não aconteceu. Até as 21h a Secretaria não havia informado o número de mortes e confrontos da noite anterior, embora tivesse prometido fazê-lo.

Medo de superar número de vítimas do Carandiru

Entidades de direitos humanos têm uma explicação matemática e histórica para o silêncio da secretaria sobre as mortes. O Estado de São Paulo não quer que o número de vítimas ultrapasse a marca de 111 pessoas assassinadas de uma só vez em 1992, quando a Tropa de Choque entrou no complexo penitenciário do Carandiru.

O criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira criticou o fato de os nomes dos 107 mortos não serem divulgados e disse que a sociedade tem o direito de saber quem são eles:

¿ Não consigo entender o por quê de a lista de mortos ainda não ter sido divulgada. Não há qualquer razão lógica, jurídica ou de bom-senso, a não ser que se tenha matado pessoas inocentes. Deploro profundamente que as autoridades não divulguem nomes. As famílias têm o direito de enterrar seus mortos, a sociedade tem o direito de saber quem são os mortos ¿ afirmou ele.

Perguntado sobre a versão da polícia de que os 107 mortos teriam ligação com a facção criminosa que comandou os ataques, Mariz afirmou que é ¿muito difícil¿ que eles façam parte de um único grupo.

¿ Se todos foram mortos em menos de 24 horas depois dos ataques, por que não foram presos antes da tragédia? É inaceitável essa omissão da polícia.

Ontem, pelas ruas da capital, era visível que a polícia praticamente encerrou o estado de alerta que pôs nas ruas milhares de homens nestes dias. Embora os carros continuassem a patrulhar a cidade em quantidade acima do normal, o isolamento de alguns prédios já não mais acontecia.

À tarde, a Polícia Militar tratava como normais confrontos envolvendo seus agentes. Desde sexta-feira passada, no entanto, todo embate entre policiais e suspeitos foi tratado pela Secretaria de Segurança Pública como revide aos ataques de criminosos.

Dois homens mortos ontem em troca de tiros com a polícia passaram a ser considerados pelo comandante da PM, coronel Eliseu Eclair, como ¿fato corriqueiro¿. Um dos suspeitos foi morto em Ribeirão Preto, e o outro, na Zona Norte da capital.

¿ Essas mortes não têm nada a ver com a onda de ataques. Foram registradas como resistência seguida de morte ¿ disse o coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, comandante da PM.

A polícia hesitou em ligar aos atentados até mesmo um artefato que explodiu no Fórum de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo.

O governador Cláudio Lembo, que na quarta-feira acusou uma ¿elite branca¿ pela onda de violência que sacudiu o Estado, ontem se disse ¿mais calmo¿ após ter enfrentado ¿um ato diabólico¿. Ele elogiou a reação da população.

¿ A sociedade reagiu muito bem ¿ afirmou o governador.

Lembo disse não ter dúvidas sobre o acerto de sua decisão em recusar a ajuda oferecida pelo governo federal que, no início da semana, cogitou acionar o Exército para atuar em São Paulo.

¿ Eles iam se aproveitar politicamente da situação. Eu confio nas minhas polícias. E o moral da minha tropa, como é que ficaria? ¿ indagou.

IML: 64 corpos foram entregues às famílias

Aparentemente acuado pela denúncia de que alguns dos suspeitos de participar da onda de atentados em São Paulo estariam sendo enterrados como indigentes, o governo paulista divulgou que 64 corpos que estavam nas geladeiras do Instituto Médico-Legal (IML) já foram identificados e entregues às famílias para o sepultamento. Desde sexta-feira da semana passada foram mortos 107 homens no confronto com a polícia. Até ontem, no entanto, 17 continuavam no IML sem qualquer identificação. Outros quatro, que tinham documentos no momento em que foram assassinados pelos policiais, ainda não foram liberados.

Mais 22 corpos estão nos IMLs de cidades do interior e do litoral. O superintendente da Polícia Técnica de São Paulo, Celso Perioli, disse que não sabe informar se esses 22 corpos foram ou não identificados.

Perioli garantiu que o fato de as vítimas já terem sido enterradas não vai prejudicar as investigações. O superintendente da Polícia Técnica afirmou que cada um dos corpos passa por uma série de exames no IML. Eles são fotografados e é colhido material para exames de DNA. Ainda segundo ele, a pedido dos delegados de cada distrito, os corpos também passam por exames residuográficos.

Apesar da identificação de boa parte dos suspeitos, até agora não foi liberada uma relação com os nomes dos mortos. Perioli disse que cabe à Secretaria Estadual de Segurança Pública fazer essa divulgação.

Perguntado se haveria sinais de execução nos corpos, já que movimentos de direitos humanos levantaram a suspeita que alguns teriam morrido com tiros na cabeça, Perioli foi evasivo:

¿ Você está num embate. Pode ser, mas eu não tenho essa informação. Mas o policial também não leva tiro na cabeça? ¿ indagou Perioli.

Ainda segundo ele, é comum ter no IML corpos fora da geladeira. Até anteontem à tarde, segundo Perioli, os dois IMLs da cidade teriam nove vagas, descartando a denúncia de que os institutos estariam superlotados e que os cadáveres estariam entrando em estado de decomposição.

* Do Diário de S.Paulo

MP VAI À JUSTIÇA PARA GARANTIR IDENTIFICAÇÃO na página 4