Título: LEMBO: `SERRA NÃO LIGOU, FH SÓ FEZ CRÍTICAS¿
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Fonte: O Globo, 20/05/2006, O País, p. 16

Governador de SP ataca aliados do PSDB, que o abandonaram na crise, e se compara a personagem de Machado de Assis

O governador Cláudio Lembo, que já tinha culpado a ¿burguesia branca e má¿ pelo caos na segurança que São Paulo vive, voltou à carga em entrevista ao repórter Bob Fernandes, do portal Terra. E mirou nos caciques de seu partido, o PFL, e nos do aliado histórico, o PSDB. Criticou seu antecessor, Geraldo Alckmin, que só ligou duas vezes, e Serra e FH, que sequer ligaram. Sobrou até para os militares: ¿Sabe, 1964 fez muito mal ao Brasil¿. Abaixo, os principais trechos.

O senhor, na entrevista a Mônica Bergamo, da ¿Folha de S.Paulo¿, disse coisas que quando alguém diz ou escreve é normalmente rotulado como ¿da esquerda¿ ou, mais antigamente, de ¿petista¿...

LEMBO: O que mostra que a dicotomia esquerda-direita está vencida. O que disse é a expressão da cidadania, e como cidadão tenho que dizer aquilo que é importante para a reflexão.

Mas a raridade é alguém na sua posição, e ainda mais sendo do PFL que, como o senhor mesmo diz, chegou ao Brasil e ao poder junto com Pedro Álvares Cabral, dizer que a burguesia é má, perversa, cínica, que explora seus serviçais e não quer pagar a conta da miséria que se esmerou em criar...

LEMBO: Mas isso tem que ser dito, e os partidos políticos têm todo o direito, e dever, de ser reciclados, e uma forma de reciclar o partido político é dar esses choques de realidade. Claro que no meu partido muitos não gostaram; ninguém censurou, e isso é muito bonito e muito elegante. (...) O PFL também tem que ter um choque de realidade.

Até o meio da tarde, o clipping do PFL e a página noticiosa do PFL, assim como a do Senado, não haviam sequer registrado o que o senhor disse...

LEMBO: É normal. O PFL deve estar constrangido. Eu recebi um telefonema do presidente Jorge Bornhausen, o que me deixou muito satisfeito; porque certamente ele não gostou integralmente da entrevista..

E de quem mais do PFL o senhor recebeu...

LEMBO: ...do prefeito de São Paulo, me ligou muito cedo o Gilberto Kassab.

Dos caciques do PFL o senhor não recebeu...

LEMBO: Não, nem pode...

Eles estão refletindo...

LEMBO: Eles estão refletindo... e daqui a 500 anos, quando eles desembarcarem, vão falar alguma coisa.

O senhor sabe que há um risco grande, embutido em tudo que está acontecendo ¿ além do episódio em si, do que já aconteceu ¿ que é o de ter havido uma matança, que possa ter acontecido uma mortandade indiscriminada, de inocentes. Como o senhor lida com essa possibilidade?

LEMBO: Acho que não houve morte indiscriminada. Houve sempre conflito de rua onde as pessoas lamentavelmente morreram. Os militares e também essas figuras que estão fora da lei.

Em que momento o senhor pensou: "Vou esvaziar o pote"

LEMBO: Foi uma necessidade. Em um momento de tanta dor, tanto desespero social e desespero das pessoas em si, das que morreram, eu tinha, tenho que dizer isso. É um momento em que a sociedade tinha, tem que sentir esse choque duro da realidade que ela não quer conhecer.

Uma sociedade, pequeníssima parcela, que vive atrás de muros altos, grades, com os carros blindados...

LEMBO: ...viajando ao exterior, trazendo os melhores vestidos do exterior.

"Vestidos" talvez não seja uma palavra, uma expressão muito adequada para ser usada neste Palácio...

LEMBO: Eu nunca me equivoco no que eu falo. Eu sempre penso antes de falar.

O senhor disse que nestes dias o ex-governador Alckmin deu apenas dois telefonemas porque "o pulso telefônico está caro".

LEMBO: Muito caro.

E se ele ligasse a cobrar, seria uma boa solução?

LEMBO: Eu pagaria.

E o ex-prefeito, Serra, candidato a sucedê-lo, já telefonou?

LEMBO: Aí pode ser um problema de amnésia, compreendo.

Fernando Henrique ligou?

LEMBO: Não, não telefonou. Apenas fez críticas.

Que correlação o senhor faria entre a vida carcerária e a do que chamou de burguesia? LEMBO: São mundos tão diversos, não? Eventualmente um mundo tem bons advogados e o outro tem maus advogados.

Depois de sua catarse, quem lhe procurou, quem telefonou?

LEMBO: Ah, mas aí foi interessante. Eu não gosto da dicotomia direita, esquerda, mas aqueles que um dia foram de esquerda me telefonaram. Os da direita foram muito poucos. E os do centro, nenhum. Me lembro do ¿Alienista¿ do Machado de Assis, a história famosa de uma aldeia, de uma cidade, onde todos eram considerados loucos pelo farmacêutico e ele internou todos. E no fim eles chegaram à conclusão de que louco era o farmacêutico. Eu sou o farmacêutico.

A sua fala tem um conteúdo político explosivo, o senhor parece não se preocupar com o efeito devastador de algumas críticas e ironias, por exemplo, para figuras do PSDB, em relação ao processo sucessório.

LEMBO: Foram todas críticas irônicas, e nada pessoal. Ao contrário. Eu acho, e aí também é o farmacêutico falando, que são entrevistas com um conteúdo moralista. (...) Eu falei em princípios éticos, princípios religiosos e acima de tudo em princípios também cívicos. Sabe, 1964 fez muito mal ao Brasil.