Título: GLÓRIA E MORTE NO EVEREST
Autor: Rogério Daflon e Sanny Bertoldo
Fonte: O Globo, 20/05/2006, Esportes, p. 49

Sem oxigênio, Vitor Negrete chega ao cume da montanha, mas não resiste à descida

OMonte Everest, que desde sempre habita o imaginário dos mais destemidos exploradores do mundo, entrou ontem para a história do alpinismo brasileiro como uma tragédia. Às 2h (10h45m de Brasília), o paulista Vitor Negrete, de 38 anos, morreu depois de se tornar o primeiro brasileiro a alcançar o cume da montanha, a 8.844 metros, sem oxigênio suplementar, e escalando sua face mais difícil, a norte, no Tibete.

Até hoje, desde que o neozelandês Edmund Hillary e o nepalês Tenzing Norgay conseguiram a façanha, pela primeira vez, em 1953, mais de 180 pessoas já morreram ao tentar chegar ao topo do Everest.

Mas nem tudo foi tristeza ontem, na montanha. Às 11h (19h45m de Brasília), o nepalês Appa Sherpa chegou ao cume pela 16ª vez, batendo seu próprio recorde. Experiente guia local, ele subiu a montanha pela primeira vez em 1989, quando tinha 28 anos.

Opção por subir ao topo sozinho

Negrete se sentiu mal na descida, quando estava a cerca de 550m do cume, e pediu ajuda a Dawa Sherpa, profissional local que o auxiliava na escalada. O brasileiro ainda foi resgatado com vida, mas não resistiu e morreu no acampamento 3, a 8.300m de altitude. Engenheiro de alimentos, ele morava em Campinas com a mulher, Marina, e dois filhos: Leon (2 anos) e Davi (nove meses).

¿ Claro que o risco existe e foi o que aconteceu com o meu marido, mas o número de conquistas dele supera em muito essa tragédia que aconteceu ¿ disse Marina, por telefone, à Rede Globo.

O alpinista começou a última etapa da subida na segunda-feira. Na quarta-feira, fez o último contato, quando revelou que pretendia voltar até às 18h de ontem e estava animado com o tempo favorável para a escalada:

¿ Estou subindo só. Prometo que tomarei muito cuidado ¿ dissera.

Seu parceiro na aventura, Rodrigo Raineri, permaneceu no Campo Base (5.200m), recuperando-se da tentativa que fizera semana passada, quando não pôde subir ao cume por causa do mau tempo. Sua idéia inicial era fazer mais uma tentativa na próxima quinta-feira. Agora, ele já está a caminho do acampamento 3, onde fará uma cerimônia de despedida a Negrete, que será enterrado no próprio Everest.

¿ Quando o Vitor estava bem, eu tive problemas. Quando eu fiquei bem, ele teve dor de garganta. Então, decidimos que cada um deveria ir ao cume quando estivesse pronto. Assim, nossas chances de ter pelo menos um brasileiro lá em cima seriam maiores ¿ explicou Raineri.

Primeira expedição ao Everest em 2005

A dupla enfrentava problemas nesta expedição. Na terça-feira, o inglês David Sharp, que fazia parte do grupo de 13 alpinistas, morreu na montanha, e o malaio Ravi Chandran teve congelamento dos dedos das mãos. Além disso, o depósito onde Negrete e Raineri guardavam equipamentos e comida foi assaltado.

Esta foi a segunda vez que os dois subiram o Everest. No ano passado, eles enfrentaram o pior clima já registrado na região nas últimas décadas. Mesmo assim, Negrete chegou ao cume no dia 2 de junho, também pela face norte, mas com oxigênio suplementar. Por segurança, Raineri ficou a 50m do topo.

No mesmo dia, os paranaenses Waldemar Niclevicz e Irivan Burda atingiram o ponto mais alto pela face sul, na parte nepalesa.

Há 11 anos, Niclevicz e o fluminense Mozart Catão (que faleceu há quatro anos, quando escalava o Monte Aconcágua, na fronteira da Argentina com o Chile) subiram pelo lado tibetano e se tornaram os primeiros brasileiros a chegar ao cume do Everest.