Título: SOMOS UMA FAMÍLIA DE UNIDADE INDISSOLÚVEL¿
Autor: Graça Magalhães- Ruether
Fonte: O Globo, 21/05/2006, O Mundo, p. 42

Filha de Che Guevara diz que seu pai aprovaria o regime de Fidel e defende a aliança de Cuba com Venezuela

Entre os admiradores que fizeram fila em Viena dias atrás para ver os novos popstars da esquerda ¿ os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia ¿ estava uma médica de 45 anos, Aleida Guevara, filha de Che. Comunista convicta, que costuma sorrir quando fala a palavra ¿solidariedade¿, Aleida fala de seu pai com profunda admiração. Em entrevista ao GLOBO, ela diz que Che aprovaria o governo de Fidel Castro hoje: ¿Somos um país socialista com um partido comunista que é o guia da sociedade. É o caminho que temos de seguir porque outro caminho seria um retrocesso para a era capitalista, a volta à era da frieza social.¿

Para Aleida, a situação melhorou um pouco em seu país graças à aliança com a Venezuela, que oferece facilidades para o pagamento do petróleo que vende. Em contrapartida, Cuba oferece sua maior riqueza: recursos humanos. Para ela, a Bolívia é candidata a formar um novo ¿eixo do bem¿, e Morales precisa de recursos para fazer as mudanças urgentes necessárias.

Qual é a lembrança mais forte que a senhora tem de Che Guevara?

ALEIDA GUEVARA: Sua ternura, sua capacidade de amar. Meu pai era um homem extraordinário e expressava de forma fascinante seus sentimentos. Era linda sua espontaneidade. Isto foi o que mais admirei em meu pai. Minha mãe sempre falava sobre ele com muita ternura. Quando éramos crianças, ela nunca dizia: comporte-se se não seu pai lhe castiga. Aprendemos a amá-lo e a ter a consciência de que deveríamos procurar ser seres humanos melhores.

Sua mãe, Aleida, sofria com as infidelidades de Che?

ALEIDA: Meu pai amava muito minha mãe. Era uma relação de amor tão profundo que para ela não importavam outras mulheres que meu pai podia ter. Ela sofreu muito com a perda do amigo e amante. E continua de certa forma dedicada a ele como diretora do Centro de Estudos Che Guevara em Havana.

A senhora estudou medicina para seguir o exemplo de Che?

ALEIDA: O maior motivo foi poder ajudar outras pessoas. Já trabalhei em Angola e Nicarágua. É uma forma de devolver tudo o que recebi na vida.

Todos os seus irmãos têm orgulho do pai?

ALEIDA: Todos nós. Somos quatro filhos da minha mãe, e havia também uma irmã mais velha, de outro relacionamento do meu pai, que infelizmente morreu de câncer. Há pouco tempo tivemos muita preocupação porque meu irmão Camilio sofreu um acidente de carro. Passamos muitas noites com ele no hospital. Somos uma família muito unida, somos uma unidade indissolúvel, também do ponto de vista ideológico.

Che Guevara apoiaria hoje o regime de Fidel Castro?

ALEIDA: Em primeiro lugar, eu não gosto de chamar de regime, mas Estado de Cuba, governo cubano. Além disso, não responderia por um homem que não está presente porque seria uma falta de respeito a ele. Mas diria que Cuba mantém um ideal socialista, um sistema socialista, portanto acho que o meu pai estaria de acordo e ajudaria.

Há ainda hoje escassez material em Cuba devido ao colapso da União Soviética?

ALEIDA: Sim, mas a situação está aos poucos melhorando. Não temos ônibus suficientes. Faltam outras coisas, mas o que temos em fartura é assistência médica e educação para todos. E quem esteve em Cuba no início dos anos 90 e volta hoje ao país observa uma diferença para melhor.

Como definiria as relações de Cuba com os EUA?

ALEIDA: Temos boas relações com organizações de solidariedade, mas com o governo não são boas, eu diria que são péssimas, nulas, não existem. Os EUA são culpados pelo maior problema de Cuba hoje, que é ainda o bloqueio. Se o bloqueio fosse suspenso, a economia de Cuba teria chance de crescer repentinamente porque temos os recursos humanos para isso. Gastamos muito dinheiro para importar certos produtos.

Há em Cuba novos líderes políticos?

ALEIDA: Não. Somos um país socialista com um partido comunista que é o guia da sociedade. É o caminho que temos de seguir porque outro caminho seria um retrocesso para a era capitalista, a volta à era da frieza social. Digo com convicção que o povo cubano não tem vontade alguma de voltar a essa época. Foi o socialismo que começou a resolver nossas dificuldades, nossos problemas, e por isso nós queremos aperfeiçoá-lo, mas continuar no caminho.

A senhora não vê como um problema a falta de liberdade de imprensa em Cuba?

ALEIDA: Se não tivéssemos liberdade de imprensa eu não poderia estar aqui falando com a senhora.

Como funciona a integração com a Venezuela de Chávez?

ALEIDA: Muito bem. São relações de povos irmãos, como deveriam ser com o resto da América Latina, porque somos povos da mesma origem cultural. Cuba compra petróleo da Venezuela com facilidade de pagamento e envia recursos humanos à Venezuela. Há 23 mil especialistas cubanos trabalhando em bairros pobres da Venezuela.

A escritora cubana Zoe Valdez advertiu para um novo eixo Cuba-Venezuela-Bolívia. Já foi formado esse eixo?

ALEIDA: Claro que existe, e queremos que cresça e vire um quarteto, um quinteto. A pobre da Zoe Valdez não tem a mínima ideia do que é solidariedade e respeito entre os povos.

Morales não foi muito solidário ao Brasil com seu programa de nacionalização¿

ALEIDA: Mas ele tinha que nacionalizar porque era a única maneira de adquirir recursos para mudar a sociedade. E a Bolívia necessita urgentemente de uma mudança profunda. O povo precisa de educação, saúde gratuita, acesso a uma vida digna, porque o pais é rico e o povo poderia viver muito bem se os recursos fossem usados de forma certa.

Como a senhora vê o governo do presidente Lula?

ALEIDA: O presidente Lula prometeu varias coisas que não pode cumprir e neste sentido o povo brasileiro é quem tem que dar a última palavra. Eu espero que a situação interna do Brasil melhore.

Che, sereno e idealista até a morte

Nova biografia diz que líder revolucionário argentino sabia que seria assassinado

BUENOS AIRES. O olhar sereno prova que ele sabia que estava prestes a morrer e aceitava seu destino com dignidade. Seu olhar não reflete medo nem raiva ¿ observa-se apenas uma expressão de tranqüilidade, apesar de ter a certeza de que seria assassinado. Esses foram alguns dos pensamentos que passaram pela cabeça do escritor e historiador argentino Pacho O¿Donnell, autor da mais recente biografia de Che Guevara (¿Che, a vida por um mundo melhor¿), quando recebeu em sua casa um envelope que continha fotos inéditas de um dos maiores mitos latino-americanos.

Em entrevista ao GLOBO, o escritor argentino confirmou o distanciamento entre Che e a revolução de Fidel Castro nos últimos anos de vida do revolucionário, questionou a utilização da imagem dele por parte dos governos de Cuba e da Venezuela, destacou a extraordinária vigência dos ideais pelos quais ele lutou e defendeu a transferência de seus restos mortais, enterrados em Cuba, para a Argentina.

¿ Considero que a foto mais importante é a que mostra um primeiro plano de alguém que sabia que morreria, que seria assassinado, mas que está sereno, apesar das circunstâncias ¿ disse O¿Donnell, para quem as fotos provam que Che não morreu em combate, e sim assassinado.

Em artigo publicado recentemente pela revista argentina ¿Noticias¿, primeira a divulgar as fotos inéditas de Che, o escritor argentino assegurou que elas foram tiradas pelo piloto do helicóptero que transportou o coronel boliviano Zenteno e o agente da CIA (agência secreta americana) Félix Rodríguez até o vilarejo boliviano de La Higuera, onde o líder revolucionário teria sido assassinado em 9 de outubro de 1967. Dois dias antes, contou O¿Donnell, Che havia escrito pela última vez em seu diário pessoal, hoje guardado no Banco Nacional da Bolívia, uma frase que mostra a fortaleza interna do revolucionário: ¿Completaram 11 meses de nossa inauguração guerrilheira (a chegada à Bolívia) sem complicações, bucolicamente¿.

¿ Bucólica é uma palavra que fala dessa serenidade campestre, de um homem perseguido e cercado por um Exército treinado, mas que nunca perdeu a serenidade ¿ afirmou o escritor argentino que, como Che, estudou medicina.

O pai de O¿Donnell foi médico do líder revolucionário, que sofria de asma em sua infância, quando ainda morava na Argentina.

¿ Não me lembro, mas certamente abri a porta para ele alguma vez ¿ comentou o escritor, que ao contrário de outros biógrafos de Che, interessou-se pelos 39 anos de vida do líder revolucionário e não apenas por sua experiência cubana.

O¿Donnell estudou a infância de Che e chegou à conclusão de que ¿ele nunca foi uma criança violenta, ele era violento porque acreditava que a única possibilidade de derrotar um inimigo poderoso era a violência¿. O escritor argentino também foi o único biógrafo que esteve com o militar boliviano Mario Terán, que matou Che.

¿ É um homem primitivo, foi um instrumento do destino ¿ explicou O¿Donnell, que entrevistou várias pessoas vinculadas à história do seu personagem.

A biografia relata os momentos mais importantes da vida do revolucionário argentino que adotou a nacionalidade cubana, uniu-se ao movimento fundado por Fidel Castro, mas, nos últimos anos de sua vida, renunciou a essa mesma nacionalidade e distanciou-se de seu amigo e líder cubano. Em fevereiro de 1965, Che pronunciou um duro discurso em Argel, questionando o modelo implementado pela União Soviética, principal aliada do regime de Castro. Na visão de O¿Donnell, foi o começo da ruptura entre Che e a Revolução Cubana. Depois viriam novas aventuras revolucionárias na África e, finalmente, na Bolívia.

¿ Fidel é um político e Che era um idealista. Quando Fidel passa a depender do apoio da União Soviética e aplica políticas econômicas determinadas por Moscou, com as quais Che estava em total desacordo, Che entra em conflito com as políticas de governo, mas não com Fidel. Ele permanece leal a Fidel até o final ¿ contou o escritor argentino.

O¿Donnell criticou ¿a utilização de Che por parte de (Hugo) Chávez e Fidel¿ e destacou a importância cada vez maior do revolucionário argentino para os jovens de todo o mundo.

¿ Che está vivo porque é visto pelos jovens como símbolo dos valores que faltam em nossa sociedade. O idealismo, a coragem, a honestidade e a idéia de morrer em nome de um ideal ¿ enfatizou o escritor argentino.