Título: VAGA EM CONSELHO GERA POLÊMICA
Autor: Patricia Duarte e Martha Beck
Fonte: O Globo, 22/05/2006, Economia, p. 14

Especialistas criticam atuação de trabalhador no comando de estatais

BRASÍLIA. A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de criar vaga no Conselho de Administração das estatais para os trabalhadores ¿ em ano eleitoral e para atender a um pleito das centrais sindicais, sobretudo a CUT ¿ desagradou ao mercado e a especialistas em gestão de empresas. Eles alegam que a medida está na contramão das novas práticas de governança pregadas pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e contraria a tendência mundial de tornar os conselhos mais independentes, com profissionais qualificados e desprovidos de conflitos de interesse com as companhias.

Pela proposta, os novos conselheiros serão remunerados, terão estabilidade no emprego de um ano após o mandato e poderão opinar sobre decisões como investimentos. Neste ano, o montante previsto para as estatais aplicarem é de R$41 bilhões. Ficarão fora da medida as empresas que dependem do Tesouro Nacional para cobrir despesas correntes. Ao todo, existem 137 estatais.

A vaga dos trabalhadores foi anunciada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e será incluída num decreto a ser assinado por Lula nos próximos dias, que visa, justamente, a dar maior autonomia aos conselhos e melhorar a gestão das estatais. Uma proposta que vinha sendo desenvolvida desde 2003, orientada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), acabou atropelada pela pressão das centrais.

A diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Heloisa Bedicks, critica a decisão e lembra que a Lei das Sociedades Anônimas já permite que empregados façam parte dos conselhos, mas que esse item não ¿pegou¿ porque há um movimento tanto no Brasil quanto nos EUA e no Reino Unido no sentido de tornar esses órgãos mais independentes.

¿ O mercado não vê com bons olhos a medida, que vai na contramão do que a Bovespa vem pregando para o Novo Mercado ¿ afirma Heloísa.

Trabalhadores não têm isenção nas decisões, diz professor

A superintendente executiva de Relações com Empresas da Bovespa, Maria Helena Santana, diz que os empregados não são considerados conselheiros independentes. Para o professor da área de Estratégia e Governança Corporativa da Fundação Getulio Vargas e da Unigranrio Joaquim Rubens Fontes, experiências no Japão e na Alemanha não são animadoras. Ele afirma que os trabalhadores não têm isenção para decidir questões estratégicas, que podem gerar conseqüências como corte de pessoal e salários. Entre as estatais, só a Eletrobrás tem funcionários no conselho.

¿ Não vejo problema. Há um componente democratizante e ajuda a dar maior transparência ¿ argumenta o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Especialistas afirmam que, por ter maioria na assembléia de acionistas e indicar os membros dos conselhos, na prática o governo poderá impor a medida. A idéia da União é começar a implantá-la nas grandes empresas intensivas em mão-de-obra, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

¿ A participação dos trabalhadores não será representação sindical ¿ diz Eduardo Scalestsky, diretor do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento.

Quanto à proposta de melhorar a eficiência das estatais, o Estado quer ampliar o controle sobre as empresas e reduzir interferências políticas. A medida, antecipada pelo GLOBO no fim do ano passado, prevê a criação de uma câmara interministerial que vai centralizar as decisões e traçar políticas para as empresas públicas. Hoje, as nomeações dos diretores ficam com a Casa Civil, os dividendos, com o Tesouro Nacional e o controle de gastos e da meta de superávit primário, com o Planejamento.