Título: SUPERÁVIT MOVIDO A ESTATAIS
Autor: Patricia Duarte e Martha Beck
Fonte: O Globo, 22/05/2006, Economia, p. 14

Esforço das empresas ajuda o governo a superar meta de economia em ano eleitoral

Oforte desempenho das empresas estatais, sobretudo as federais, está ajudando o governo a manter, sem cortes em investimentos, o superávit primário (economia feita para pagar juros) acima da meta estabelecida neste ano eleitoral, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas no país em um ano). Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (BB), por exemplo, estão mantendo ou aumentando seus desembolsos neste ano, ao mesmo tempo em que mostram crescimento expressivo de receitas, lucros e, conseqüentemente, pagamento de dividendos para seu controlador, a União.

No entanto, mesmo com o cenário aparentemente mais positivo, há quem diga que o mercado continua olhando com ressalvas o ¿uso político¿ dessas empresas:

¿ A sensação é de que a maximização das empresas não é o objetivo ¿ afirmou o economista-chefe do Itaú, Tomás Málaga, para quem o o governo deveria segurar o superávit com menos gastos correntes.

No trimestre passado, o superávit primário das estatais ¿ federais, estaduais e municipais ¿ somou R$2,878 bilhões, 20,31% a mais do que em igual período de 2005. Isso garantiu ao setor público um superávit de 4,39% do PIB, com taxa anualizada. O governo central (governo federal, INSS e Banco Central) fez o caminho oposto, economizando 31,63% a menos, com saldo positivo de R$12,196 bilhões. Os governos regionais (estados e municípios) também gastaram mais, com superávit 20,68% menor, ou R$5,906 bilhões. Não foi à toa que o governo, diante dos desembolsos mais pesados em ano de eleição, elevou a previsão de esforço das estatais de 0,70% para 0,85% do PIB.

Petrobras responde por 80% do saldo

A Petrobras tem papel fundamental nesse cenário, respondendo sozinha por cerca de 80% do saldo das estatais. No trimestre passado, ela fez investimentos diretos de R$5,914 bilhões -¿ 12% a mais do que no mesmo intervalo de 2005 ¿ e teve lucro 33% maior, chegando a R$6,675 bilhões. A empresa ainda não fixou sua política de dividendos para 2006, mas, no ano passado, foram R$7 bilhões, sendo que R$2,6 bilhões ainda precisam ser pagos, segundo a analista Mônica Araújo, da corretora Bes. Do total, 40% vão para a União. A contribuição vem ainda do pagamento de impostos, taxas e royalties, que somente em 2005 foi de R$70 bilhões.

O diretor financeiro da empresa, Almir Barbassa, destaca o elevado preço do petróleo e o crescimento da produção para o bom desempenho:

¿ A Petrobras tem contribuído direta e indiretamente para a geração de resultado primário via crescimento da produção.

Já os bancos estatais não contribuem diretamente para o superávit da União ¿ apenas os resultados das empresas não-financeiras entram nessa conta. A contribuição dos bancos é indireta, por meio de dividendos pagos ao Tesouro Nacional. É o caso da Caixa, que além de ter desembolsado R$180 milhões referentes a 2005, pagou antecipadamente R$420 milhões ao Tesouro no trimestre passado, valor relativo ao exercício de 2006. Assim como a Caixa, as estatais 100% controladas pelo governo acabam contribuindo muitas vezes de maneira antecipada.

Segundo o vice-presidente de controladoria do banco, João Dornelles, há três anos o recolhimento vem sendo feito antes porque ¿o Tesouro pede¿. O executivo explica que a Caixa é remunerada pela taxa Selic ¿ 15,75% ao ano -¿ pela antecipação. Além disso, o banco paga o equivalente a 35% do lucro em dividendos. A lei prevê pelo menos 25%.

Correios: governo pediu 75% do lucro

No BNDES, o quadro é parecido. O banco pagou o equivalente a 95% do lucro de 2004 em dividendos ao governo e, sobre o resultado de 2005 (ganho de R$3,2 bilhões), negocia uma mordida menor. Mas já pagou pouco mais de 25%, ou R$1,2 bilhão, que entrou no caixa do Tesouro em abril e maio. Já o BB pagou neste trimestre R$870 milhões em dividendos ¿ 72% vão para o Tesouro, também relativos a 2005. A outra parte (R$628 milhões) foi paga em 2005.

Nos Correios, os investimentos planejados para 2006, de R$632 milhões, são quase 2,5 vezes maiores do que os do ano passado. Mesmo assim, o governo federal ¿ seu controlador ¿ negociou pagamento de dividendos mais pesados. Até 2004, o desembolso era equivalente a 25% do lucro, percentual que dobrou no fim daquele ano. O governo chegou a pleitear 75% em 2005, mas a estatal alegou que precisa de fôlego para investir mais.

No campo estadual, as principais estatais também vêm ajudando. O banco Nossa Caixa, controlado pelo governo paulista, registrou no trimestre lucro de R$174,8 milhões, dos quais R$44 milhões vão para o superávit. Mas sem prejuízos aos investimentos, que, segundo o diretor de Finanças e de Relações com Investidores do banco, Rubens Sardenberg, ficarão em R$200 milhões neste ano e no próximo.

O uso dos resultados das estatais, diz o economista Guilherme Loureiro, da consultoria Tendências, pode ser visto de forma negativa caso se torne constante, a fim de compensar deficiências dos governos. Mas ele acredita que os resultados ainda não mostram essa tendência das estatais, lembrando que a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita os gastos, está sendo cumprida por estados e municípios.

¿ A tendência é de estabilização ¿ avalia ele, para quem o governo federal deve continuar sendo o maior responsável pelo cumprimento da meta do setor público.

O governo diz que o esforço maior das estatais vai continuar não prejudicando investimentos.

¿ A experiência tem mostrado que um esforço maior não prejudica os investimentos ¿ diz o diretor do Departamento de Coordenação e Controle das Estatais (Dest) do Ministério do Planejamento, Eduardo Scaletsky.

COLABOROU Geralda Doca