Título: Abalo global
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 23/05/2006, Economia, p. 27

Bolsas de todo o mundo caem por temor de altas nos juros dos EUA. Dólar vai a R$2,289

Aespeculação em torno de uma nova alta de juros nos Estados Unidos atingiu ontem seu ponto mais crítico das últimas semanas, com a queda generalizada das bolsas mundiais e, no Brasil, com a maior alta do dólar em quase três anos e a maior perda da Bolsa em sete meses. A queda, no mercado internacional, dos papéis de empresas exportadoras de commodities ¿ que haviam sustentado anteriormente o clima positivo dos mercados ¿ e as declarações do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo de Rato, de que os juros poderão subir mais nos EUA ampliaram o mau humor dos investidores, que venderam pesadamente ações em todo o mundo, também reduzindo drasticamente a aplicação em ativos de mercados emergentes.

Durante o dia, o dólar chegou a subir 4,84% (para R$2,317) no auge do nervosismo, para encerrar os negócios a R$2,289, em alta de 3,57%. Foi a maior valorização desde 26 de maio de 2003 (3,95%) e o maior valor para a moeda desde 19 de janeiro deste ano (R$2,328). O risco-Brasil subiu 8,68% (para 288 pontos centesimais) pela manhã, mas no fim do dia marcava 277 pontos centesimais, numa alta de 4,52%. Já a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 3,28%, a maior queda desde outubro de 2005.

No câmbio, pesaram ainda as declarações, feitas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo estuda um pacote para evitar que as quedas recentes do dólar não afetem as exportações. Como boa parte do mercado continuava apostando numa forte queda do dólar, o que se viu ontem foi a compra acelerada de moeda, para evitar maiores prejuízos diante de eventuais mudanças no mercado de câmbio.

Nas bolsas mundiais, a tônica foi a queda: de apenas 0,17% no Dow Jones, em Wall Street, até 9,05% no RTS, de Moscou. Na Índia, onde o pregão chegou a ser interrompido quando a queda atingiu 10%, a polícia chegou a ficar de prontidão temendo uma onda de suicídios. O valor de mercado da Bolsa de Mumbai passou de US$657 bilhões semana passada para US$624 bilhões ontem. Vários investidores e políticos de oposição pediram a renúncia do ministro de Finanças, Palaniappam Chidambaram. Mas ele assegurou os investidores dizendo que a Índia não tem problema de liquidez nas reservas.

¿ O mercado acionário está na mão de manipuladores. Nunca vimos uma queda dessas ¿ disse Yashwant Sinha, ex-ministro de Finanças.

Para analistas, queda foi exagerada

Os investidores internacionais temem que a alta nos juros americanos provoque uma desaceleração na maior economia do planeta. Em busca de segurança, eles correram para os bônus do governo. O rendimento do título de dez anos do Tesouro americano, devido à grande procura, recuou para 5% (é inversamente proporcional à alta do papel). Também houve corrida pelos papéis europeus.

Isso ganhou força depois que Rato, do FMI, afirmou que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) ainda pode ser obrigado a elevar os juros, dependendo da evolução das condições econômicas. Ele disse que a retirada do estímulo monetário é um ¿movimento saudável¿, especialmente num cenário global de inflação ascendente.

Para os economistas, houve exagero. Apesar das fortes correções, bancos estrangeiros como UBS, Bear Stearns e Merrill Lynch informaram que vão manter os investimentos em ativos brasileiros acima da média do mercado e acreditam que o movimento pode ser passageiro, já que os bons fundamentos econômicos do país permanecem inalterados.

¿ O Brasil sofreu mais porque era onde as pessoas mais investiam. E, após tamanhas quedas, os ativos começam a atingir patamares de preços que criam uma excelente oportunidade de compra, pois os fundamentos não mudaram, apesar do cenário global de mais aversão a risco ¿ pondera Emy Shayo, economista do banco Bear Stearns.

¿ Nada justifica tamanho estresse. A velocidade da depreciação dos ativos não reflete, de forma alguma, os fundamentos da economia brasileira. No entanto, continuar apostando alto no Brasil a curto prazo passa a ser bastante arriscado ¿ avalia Fábio Akira, economista do banco americano JP Morgan.

Em relatório publicado ontem, o também americano Merrill Lynch disse manter a aplicação em Brasil acima da média de mercado, devido à perspectiva de lucros elevados das empresas e de queda dos juros. Segundo a instituição, as ações brasileiras renderam 17,7% no ano, o terceiro melhor retorno na América Latina. Visão semelhante tem o suíço UBS, que em relatório enviado ontem a clientes mantém também as aplicações nos ativos brasileiros acima da média de mercado de mercado, pois avaliam que os riscos de uma inflação maior nos EUA continuam baixos.

¿ O grande divisor de águas para os mercados será a inflação americana. O indicador mais aguardado é o chamado índice de gastos pessoais (PCE, na sigla em inglês), que orienta as decisões do banco central americano. O mercado espera um núcleo, que exclui as maiores variações de preços, de 0,2% em abril. Se vier mais forte que o esperado, pode haver uma consolidação das perdas nos mercados ¿ explica Solange Srour, economista-chefe da Mellon Global.

Segundo operadores de mesas de câmbio, ontem muitos exportadores seguraram seus dólares à espera de cotações mais altas, para lucrar mais na conversão para reais. Isso elevaria a oferta de moeda no mercado, o que ajudaria a reduzir a cotação do dólar. No acumulado do ano, incluindo maio, as exportações chegaram a US$45,849 bilhões e estão 13,2% superiores ao registrado no mesmo período do ano passado, informou ontem o Ministério do Desenvolvimento. As importações deste ano já atingiram US$31,027 bilhões, valor 19,4% superior ao registrado no mesmo período de 2005. O superávit acumulado do ano já está em US$14,822 bilhões, valor apenas 2,1% superior ao registrado no mesmo período do ano passado, devido à expansão mais acelerada das importações, como reflexo da greve dos auditores fiscais, que completou ontem 20 dias.

O cenário externo conturbado levou os especialistas a projetarem que o Banco Central (BC) reduzirá o ritmo de corte da Selic, atualmente em 15,75% anuais. O relatório ¿Focus¿, divulgado ontem pelo BC, mostra que o mercado espera que a taxa encerre este ano a 14,25%, depois de passar cinco semanas projetando 14%. Para o IPCA, os cálculos continuam em 4,32%, abaixo da meta de 4,5%.

(*) Com agências internacionais

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