Título: PESO MAIOR NA RENDA DAS FAMÍLIAS
Autor: Flávia Oliveira e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 23/05/2006, Economia, p. 29

Mulheres chefes de família representam 37,7% do orçamento doméstico

No Brasil, um em cada quatro lares tem uma mulher como chefe, uma proporção que aumentou quase sete pontos percentuais entre 1991 e 2000. De carona com a liderança feminina nos lares, aumentou também a participação delas no orçamento doméstico, tendência explicada pelo avanço da ocupação e, conseqüentemente, da renda das mulheres. Segundo o recém-criado Sistema Nacional de Informações de Gênero (Snic), o peso da renda feminina no ganho das famílias brasileiras aumentou 56% entre um censo e outro. Era de 24,1% em 1991; passou para 37,7% em 2000.

O resultado se refere apenas ao rendimento total das famílias chefiadas por mulheres. Aparentemente, o dado sugeriria que a participação das chefes fosse majoritária. Mas os técnicos do IBGE explicam que a composição das famílias nas quais as mulheres se declaram chefes nem sempre envolve a concentração do dinheiro em uma só mão.

¿ Uma mulher pode se declarar chefe, mas viver com uma irmã e com filhos que também trabalham e têm renda. O rendimento depende muito da estrutura familiar ¿ explica Cristiane Soares, economista do IBGE.

Mulheres ganham em média 30% menos do que homens

Ana Lúcia Sabóia, outra integrante da equipe técnica que criou o Snic, informa que, em geral, o ganho dos chefes representa de 76% a 80% do rendimento das famílias. Como as mulheres têm renda mais baixa (ganham cerca de 30% menos do que os homens, e um terço faz trabalho doméstico ou não remunerado), a participação delas na renda doméstica, mesmo quando chefes de família, é proporcionalmente mais baixa.

¿ O fato é que a participação delas no mercado de trabalho não pára de crescer e, com isso, as mulheres têm contribuído cada vez mais com o orçamento familiar ¿ completa Ana Sabóia.

A jovem Bruna Matos Silva é exemplo vivo do diagnóstico estatístico. Ela trabalha desde os 16 anos para atender aos desejos de consumo que sua família não era capaz de suprir. Hoje, aos 25, é caixa numa loja e, com seu salário de R$500 por mês, ajuda no orçamento doméstico pagando contas de luz ou telefone ou ajudando nas compras de supermercado. Ela vive com a mãe, Terezinha, que trabalha como arrumadeira, e a irmã Briena, de 15 anos, estudante.

¿ Mesmo quando meu pai estava vivo, nós contávamos mesmo era com a minha mãe. Ele era garçom e o salário variava muito de um mês para outro ¿ diz Bruna.

A jovem comerciária, que terminou o ensino médio e está estudando para fazer concurso público na área de saúde, calcula que 20% das despesas da casa sejam cobertas por seu salário. A mãe, a chefe da família, responde pelo resto. O exemplo, garante Bruna, foi 100% compreendido:

¿ Não quero parar de trabalhar nunca. Nem penso em me casar para ser sustentada por marido. É importante que a mulher tenha seu próprio dinheiro. Sempre digo isso à minha irmã mais nova.

Dona da recém-inaugurada Grão Doce, cafeteria e loja de doces, sanduíches e salgados no Centro do Rio, Patrícia Leal, de 42 anos, engatinha na função de responsável financeira pela família. Casada, mãe de um casal de filhos, ela trabalhava como decoradora de interiores e há dez anos alimentava o sonho de abrir sua loja. A realização veio após a demissão do marido, um ano atrás.

¿ A empresa em que ele trabalhava faliu. Então, surgiu a idéia de investir na loja. Tínhamos o espaço e eu mesma fiz o projeto de decoração e assino as receitas ¿ diz Patrícia, que recebe a ajuda do marido e da filha adolescente nas folgas do horário escolar.

Até a abertura da loja, há duas semanas, a renda anual da comerciante não passava de 20% do orçamento da família. Agora, o próprio marido diz que vêm dela 100% dos rendimentos. (F.O.)