Título: Para entidade, 30 dos mortos seriam inocentes
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 24/05/2006, O País, p. 8

Movimento de Direitos Humanos diz que maioria foi morta sem chance de defesa e que famílias têm medo de denunciar

SÃO PAULO. Com base em depoimentos de parentes de mortos ao longo dos ataques em São Paulo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos estima que cerca de 30 eram inocentes e teriam sido assassinadas numa possível onda de extermínio deflagrada por policiais. O número praticamente coincide com a diferença de 31 nomes entre os que até ontem teriam participado da facção que praticou atentados (110) e o novo total de suspeitos (79), segundo o governo.

- As famílias sabem que são inocentes, mas estão com medo de procurar a polícia por causa de uma possível represália. Essas vítimas podem ter sido mortas por policiais numa resposta ao crime organizado, então os familiares preferem sofrer em silêncio - disse ontem o diretor do Movimento, o advogado Ariel de Castro Alves.

Numa análise preliminar sobre as circunstâncias em que as vítimas morreram, Castro Alves disse que a maioria delas foi executada sem chances de defesa. Na lista dos 30 possíveis inocentes estão incluídos 12 jovens que morreram em cinco chacinas na semana passada. Os crimes foram registrados em delegacias como de autoria desconhecida.

Investigação para saber se polícia é autora das mortes

O Movimento de Direitos Humanos, que faz parte da comissão criada especialmente para acompanhar as investigações no âmbito criminal, juntamente com o Ministério Público Federal, o Conselho Regional de Medicina e a Defensoria Pública, tenta saber se esses homicídios foram praticados por policiais ou por grupos que teriam se aproveitado da série de ataques para praticar execução em massa.

Nas cinco chacinas, os assassinos teriam usado capuzes para evitar identificação, segundo as testemunhas. Quase todos os 30 nomes que deixaram a lista de suspeitos de participar da organização criminosa que fez os ataques mas que foram mortos em confronto com policiais ou em chacinas são negros, pobres e moram na periferia de São Paulo.

- Houve uma presunção do governo de que esses jovens, negros, pobres e que moravam em favelas, eram criminosos - disse Ariel Castro Alves, para quem a mudança de números apresentada pelo governo mostra que houve precipitação das autoridades para mostrar uma reação da polícia contra o crime organizado.

Relatório com informações detalhadas sobre as 130 pessoas mortas a tiros entre os últimos dias 12 e 19, período em que foram feitos ataques do crime organizado em massa em São Paulo, será entregue hoje pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-SP).

O documento estava previsto para ser remetido ao Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual ontem, mas o excesso de documentos a ser juntados teria prejudicado o trabalho dos legistas. No período dos ataques, 273 corpos deram entrada no IML de São Paulo, mas apenas 130 com sinais de disparos de armas de fogo.

Em nota conjunta, o CRM, a Defensoria Pública e o Ministério Público Federal dizem que ainda aguardam autorização do Ministério Público Estadual para que possam acompanhar, juntamente com organismos de direitos humanos, as investigações sobre as mortes ocorridas desde o último dia 12 de maio.

Segundo o CRM, novas informações só serão divulgadas após a análise detalhada do relatório e dos laudos pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública.

Conselho Penitenciário apura conivência de agentes

O Conselho Penitenciário do Estado decidiu ontem criar um grupo para investigar a conivência dos agentes que atuam nessas unidades com o crime organizado. O conselho pretende apurar denúncias de que funcionários de penitenciárias fazem vistas grossas nas revistas, permitindo que os presos tenham acesso a celulares e armas. A partir da próxima semana uma comissão formada por 12 pessoas ainda visitará os 27 Centros de Detenção Provisória (CDPs) da capital paulista para elaborar, dentro de um ano, um raio-x do sistema prisional.

Reunidos a portas fechadas, os integrantes do conselho resolveram ainda criar uma comissão executiva para fazer interlocução com o governo paulista em situações de crise, como a que foi provocada pela onda de atentados provocada por líderes de uma facção criminosa presos em diferentes unidades prisionais do estado.