Título: A 'BOCA' DE CELULAR DA TABAJARAS
Autor: Cláudio Motta/Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 24/05/2006, Rio, p. 15

Traficantes revendem aparelhos roubados e enviam telefones para aliados presos

A quadrilha que controla o tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, está atuando na compra e venda de celulares roubados. Uma investigação da 12ª DP (Copacabana) identificou 22 integrantes do bando envolvidos com a receptação e o desbloqueio de aparelhos, que são revendidos e, em alguns casos, enviados a aliados em presídios no complexo penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste.

A diversificação dos "negócios" pode estar por trás do crescente número de roubos de celulares em Copacabana. No primeiro trimestre do ano foram contabilizados 4.361 casos - 11% deles (462) na Avenida Atlântica. No mesmo período foram registrados 304 casos na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Juntas, as duas avenidas contabilizaram 766 roubos, 18% dos casos registrados no estado.

Com base em interceptações telefônicas, policiais detalharam o método de atuação da quadrilha, que em alguns casos vem aceitando aparelhos roubados como moeda de troca por drogas. Depois de desbloqueados, os telefones são negociados por valores que variam de R$200 a R$400. A cotação muda de acordo com o modelo. Radiotransmissores geralmente acabam ficando nas mãos da quadrilha, que usa os aparelhos para comunicação interna.

Delegada: número de roubos vai cair

Uma das responsáveis pela investigação, a delegada Monique Vidal afirma ter gravações em que integrantes da quadrilha, em liberdade, articulam a entrega de rádios e telefones a aliados presos. Numa das gravações, um dos bandidos encomenda a troca de chips de dois aparelhos e a compra de quatro radiotransmissores. Parte do material negociado é enviada a dois presídios do complexo de Gericinó.

- Com a identificação dos envolvidos no esquema, o próximo passo será efetuar as prisões - disse ela.

Para Monique, a desarticulação da quadrilha vai se refletir diretamente nos índices de roubos de celulares em Copacabana e outros bairros da Zona Sul.

- Boa parte dos aparelhos roubados em Copacabana, Ipanema e Leblon vem sendo receptada pelos traficantes - argumenta Monique.

Policiais reuniram mais de mil horas de escutas telefônicas. Além de revelarem a entrada do bando na receptação de celulares, as gravações mostram bandidos negociando a compra de drogas e armas e o pagamento de propina a PMs.

Numa das gravações, um criminoso detalha o faturamento das bocas-de-fumo para o chefe do tráfico que cumpre pena num presídio do complexo de Gericinó. Na ligação, o traficante em liberdade presta contas da venda de cocaína e maconha num fim de semana. No diálogo, o bandido preso comemora o aumento dos lucros, mas reclama do valor pago como propina aos "vermes" (policiais).

COLABOROU Cláudio Motta

Estatística criada em novembro de 2000

O grande crescimento de roubo de celulares motivou a criação de uma estatística apenas para o registro desse crime, a partir de novembro de 2000. Depois a medida, o número de assaltos a transeuntes no Estado do Rio teve uma redução em quase um quarto, passando de 19.219, em 2000, para 14.498, em 2001. A presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Ana Paula Miranda, reconheceu que a diminuição tem relação com a mudança nas estatísticas.

- A queda dos assaltos a transeuntes é diretamente relacionada ao novo índice. Para fazer a análise ideal, é necessário somar os três crimes: assalto em ônibus, na rua e roubo de celular - disse Ana Paula.

No primeiro ano da criação dessa estatística, em 2001, 15.937 celulares foram roubados no estado. O número deste tipo de crime foi caindo a cada ano até 2005, quando houve 6.913 casos. Segundo o ISP, o roubo de celular só pode ser registrado como tal quando nenhum outro objeto de valor ou dinheiro também é levado pelo assaltante.

- Se, além do celular, algo mais for roubado, mesmo que R$1, o registro deve ser de assalto a transeunte - afirmou Ana Paula.

A série de reportagens Geografia da Violência mostrou que apesar da criação dessa estatística, o número de assaltos a transeuntes no estado subiu 87% nos últimos seis anos. O ISP determinou que a Corregedoria de Polícia conferisse os registros de ocorrência.

O mercado paralelo do desbloqueio

O crescimento do mercado paralelo para desbloqueio de telefones celulares GSM roubados foi revelado pelo O GLOBO, no início do mês. Conhecidos como "bocas" de celular, pequenos escritórios no Centro são usados como fachada para desbloquear aparelhos roubados. A reportagem identificou alguns desses endereços, onde telefones são habilitados em poucos minutos.

Alguns escritórios chegam a fazer propaganda do serviço, por meio da distribuição de folhetos em ruas do Centro. Na esquina das ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias, uma equipe do GLOBO flagrou dois rapazes anunciando discretamente a pedestres celulares com câmeras digitais embutidas a R$60. Exatamente ao lado deles, dois homens-sanduíche (pessoas contratadas para segurar ou vestir placas de anúncios) convidavam as pessoas para desbloquearem seus aparelhos nas duas "bocas" de celulares da região.

A reportagem mostrou que, além do bunker da Rua Uruguaiana, o serviço é executado também num box de um pequeno shopping na Ouvidor. Lá, um cartaz alerta com destaque: "Atenção! Não desbloqueamos telefones bloqueados pela operadora". Mas uma rápida conversa com a atendente quebra o gelo:

- Na verdade a gente desbloqueia, sim. Esse cartaz aí... sabe como é, né? Não podemos dizer que desbloqueamos nessas situações, porque é proibido pela Anatel.